terça-feira, 29 de maio de 2018

SHAKESPEARE NO TEATRO AMAZONAS EM 1899

O SHAKESPEARE DE GIOVANNI EMANUEL NO TEATRO AMAZONAS EM 1899

O SHAKESPEARE DE GIOVANNI EMANUEL
NO TEATRO AMAZONAS EM 1899

Rogel Samuel

Em «Fastígio e sensibiliudade do Amazonas de ontem», conta Genesino Braga que ele desembarcou no cais da Ponte dos Catraieiros, em Manaus, no dia 12 de maio de 1899, acompanhado de «formosíssima dama», Nella Montagna, primeira atriz da Companhia Italiana de Dramas e Tragédias, ele o famoso Giovanni Emanuel (Morano Po, Casale, 1848 – Torino 1902).
Quem era?
            Tinha sido um ex-empregado do Ministero dell'Agricoltura que, depois de assistir a uma récita de Ernesto Rossi, sentiu-se atraído pelo teatro e acabou tornando-se tão famoso quanto Sarah Bernhardt.
            Livros há, hoje, e teses sobre ele. Como o recente estudo, de Armando Petrini, «Attori e scena nel teatro italiano di fine Ottocento. Studio critico su Emanuel e Giacinta Pezzana» (Torino, DAMS Università degli studi di Torino, 2002).
            Grande intérprete de Shakespeare, Giovanni Emanuel revolucionou a cena italiana. Pela década 1882-93, enveredou no modo do naturalismo poético de representar, alcançando sucesso máximo de crítica e de público, apreciado como diretor e como ator. "Um ator só faz escadaria de si mesmo", dizia ele, e teve várias fases na sua gloriosa carreira.
            Em carta para Felice Cavallotti, de novembro de 1886, ele diz: " Eu estou usando os ombros, o cérebro e o coração de Otello, e com isso tenho um trabalho enorme, estudo a fé de um mártir. Quero fazer a sua mais polêmica interpretação»: e as críticas sobre o modo de recitar o Otello assumem imediatamente o tom de réplicas; provavelmente como muitos é esta a circunstância na qual com grande efetividade assume a cena o seu aspecto poético naturalista: e isto em parte se explica por julgamentos contraditórios na arte da representação.   
Diz–se dele ter «a consciência de quem sabe ter levado a todos via artística nova, de elemento distintivo, realmente em seu caráter de "novidade", naquele modo de recitar que ele diferencia claramente - pelo menos nas intenções», «o caráter original e todo especial do seu talento, o ecletismo curioso do seu método fazem algo incomparável». Ele era inconstante e descontínuo, de forma que parecia absolutamente   
insuperável». Ele passava dos cumes mais luminosos da sua arte subitamente para entrar como um meteoro em uma noite serena. Pois suas interpretações pecavam por ímpetos súbitos; mas seus momentos bons eram tão bons que indeléveis permanecem gravados na mente do público e dos companheiros» (UM. De Sanctis, Caleidoscópio glorioso, Florença, Giannini, 1946, pp.23-24).  Contraditório, dizia  Emanuel: " Eu sou o contrário do modo de recitar e interpretar Shakespeare de Ernesto Rossi e de Thomas Salvini. O primeiro faz de Hamlet algo romântico, e o segundo faz de Otelo um caráter trágico".  O ator, diz, nunca tem absolutamente que ser um romântico na recitação trágica, mas tem que recitar com a verdade. Shakespeare não tem nenhum romantismo nem tragédia, sua grandeza está na capacidade de criar verdadeiros caracteres; Shakespeare punha a verdade maior na literatura dramática, e por isto será eterno. Emanuel começava a traduzir-se a si mesmo, deixando toda a crueza do idioma shakespeariano; exagerava bastante a modernidade vulgar de certas expressões que faziam um efeito diferente. Ele era reconhecido como o líder do naturalismo teatral na Itália. Era um ator experimentalista, do que aparecia ser uma escola nova. «O artista dramático tem que representar todo o caráter do homem, banindo da cena as fantasias e o   
teatralismo». Sua preocupação principal consistia em humanizar o herói trágico. Dirigindo-se aos atores jovens, Emanuel escreve, em 1887: você estuda bem a parte, as paixões, o caráter e não se deixa intoxicar da teoria barroca e ridícula ... você deve ser uma estrela e chorar, mas com naturalidade e verdade. Nele, «a idéia de uma naturalidade interpretativa, a chamada para a simplicidade da natureza como forma nova de sublime, o recorrer a um antropomórfico procedimento e a uma lógica simétrica, fundada na relação confidencial, sensual e horizontal era o forte». Ele promoveu uma luta contra o convencionalismo «teatral». Mas, como todos os artistas, sabia que mesmo no naturalismo o teatro não é capaz de simplesmente de reproduzir a realidade para qual ele mesmo olhava como fonte de inspiração para sua recitação. Por isso escreve: «Minha arte é uma harmonia entre verdade e beleza. Se fosse mais verdadeiro seria naturalismo, se não verdadeiro aquela beleza seria idealismo». Contudo, como Zola, mantém a tarefa da nova geração de artistas para os quais pretende substituir o «homem fisiológico» ao «homem metafísico»: «nós imitamos, nós imitamos o homem» - Emanuel escreve - «e levamos o processo para a natureza». Em outra carta Giovanni Emanuel coloca mesmo o equilíbrio contraditório entre a consciência da impossibilidade do teatro de uma reprodução «fotográfica» e a defesa do naturalismo, polêmica interessante que se acendeu  na «Gazeta Literária», em 1887, com o jornalista Giuseppe Benetti, que defendia o novo método naturalista contra as velhas escolas clássica e romântica. «Giovanni Emanuel faz a arte neurótica que, para nós, reflete o verdadeiro da vida que se vive. Nosso Teatro - Benetti escreve - precisa de atores que recitem a fala como falamos nós», ao que se replicou que aquilo «era fotografia da vida ordinária, que reduzia a grande arte à pobreza de uma reprodução». A isso respondia que a arte realista não pretendia a reprodução fotográfica de uma parte da vida, mas da vida inteira, de toda nossa vida. De onde emerge com comprovação contraditória de que o fundamento de uma poética naturalista era estabelecer e retirar do cotidiano da vida  o que é contemporâneo, fazendo uma interpretativa síntese dos elementos típicos da vida cotidiana» - um equilíbrio instável entre o processo de reprodução e a tensão do trabalho elaborado do estilista. Isso é o bastante para observar que a compreensão de Emanuel era entendida pelo menos para  parte do público, evidente pelo seu sucesso. Por isso Domenico Lanza diz na «Gazeta»: «Emanuel não recita, mas fala, e grita como um homem, não como um ator. Isso é tudo aquilo que se pode dizer dele. Uma recitação de Emanuel pretende representar a vida e ser capaz de abandonar o "convencionalismo" teatral, Emanuel passa então pela ênfase, a pomposidade, a afetação e a frieza. Seu processo poético de ator se revela aqui dentro das convicções artísticas de Émile Zola, o líder do movimento naturalista europeu. Um dos objetivos principais disso é sentir realmente sua luta contra as convenções artísticas. Zola escreve que o naturalismo é o retorno à natureza do homem, à observação direta, a anatomia exata. Que é representar? «O artista, de acordo com Zola, não é exatamente um criador de obras, pelo contrário o que ele faz é registrar alguns "fatos":  O trabalho é o mesmo para o escritor e para o cientista: ambos tiveram que substituir as abstrações pela realidade, o empirismo de fórmulas por análises rigorosas. De tal modo não mais o caráter abstrato das obras, não mais falsas invenções, não mais o absoluto, mas revelar reais caracteres, a verdadeira história de cada um, o relativo, o quotidiano da vida. E ainda «passar pela pressuposição de que a natureza se basta, que é bastante e necessário aceitar sem modificar. Que é bela em si mesma». Paradoxo que faz Zola afirmar preferir «a vida à arte», e tem eco em Emanuel: em uma entrevista ele diz: «Otello parece para mim um homem, realmente humano, vivo, de carne como nós dois». Ao que o outro respondeu: «Ah! ah!... você quer os verdadeiros homens no teatro, meu Amigo? ... teatro é convenção». «Sim, respondeu Emanuel, mas Shakespeare não é teatro, é vida». E então, ao interpretar Otello, se esforça Emanuel o mais possível para evitar tudo aquilo que era reconhecido como convencional. O repórter da «Gazeta de Turin» disse: «Qualquer pessoa, sem concessão para o efeito, sem qualquer redundância; sem declamações, sem vôo, sem desesperos violentos, nenhum grito nem rugido. [...] Ele era simples, fundo, terminal, sóbrio, efetivo, verdadeiro, mas com grande efetividade. E «O trabalhador» em 1887 informa de uma récita em Buenos Ayres: «Ele não deu mais ao caráter aquilo que só é percebido na cena de um teatro, ele era antes um Otello dos nossos dias, não somente no solo trágico, carregado, possível somente num palco e cenário; o caráter que nos deu o Emanuel, que nós vimos agir, era como se estivesse real em carne e osso, ele estava lá, realmente, em cena».   

                                               &         &         &
           
            Diz Genesino que Emanuel desembarcou do «Rio Amazonas» e foi levado para a sede do «Sport Clube Amazonense», na Rua Municipal, onde foi homenageado. Houve discursos. Emanuel escreveu no livro de visitas: «Vivamente impressionato dell´accoglienza dello Sport Club nel giorno Del sua arrivo. Manaus, 12 de Maggio de 1899. Giovanni Emanuel». Seguiu-se um almoço, oferecido ao ator no Hotel Cassina, onde se hospedou (como eu gostaria de saber do cardápio...). Manaus, diz Genesino Braga, era uma cidade de 50 mil habitantes «encravada no meio da mais densa, vasta e indomável floresta, mas tinha uma sociedade de nível cultural elevado». Na realidade, tinha muito dinheiro (da extração da borracha): o governo estadual custeou a viagem de toda a Companhia e pagou duzentos contos de réis para que ela se exibisse, uma fortuna!, em língua italiana, ao preço de sete mil réis a cadeira!

            Concluo citando Genesino Braga:     «A Companhia Italiana de Dramas e Tragédias deu vinte e nove espetáculos no Teatro Amazonas, representando as seguintes peças: «Kean», Dumas, pai; «A morte civil» (3 vêzes), Giacometti; «Otelo», Shakespeare; «O grande industrial» (3 vêzes), Ohnet; «O senhor diretor», Bisson e Carré; «Hamlet» (3 vêzes), Shakespeare; «Carnaval de Turim» (2 vêzes), Vato; «Os dois sargentos», D'Aubigny; «O mercador de Veneza», Shakespeare; «Niobe», Paulton; «Nero», Cossa; «As duas órfãs» (3 vêzes), D'Ennery e Cormont; «O casamento de fígaro» (2 vêzes), Beaumarchais; «Pátria» (2 vêzes), Victorien Sardou; «O rapto das sabinas» (2 vêzes), Moser e Schontan; «Rei Lear», Shakespeare; «O Duelo», Ferrari; «A Dama das Camélias» (2 vêzes), Dumas, filho; e «Romeu e Julieta», Shakespeare.»

E parafraseando Genesino: Giovanni Emanuel e sua Companhia partiram de Manaus a 6 de julho do mesmo ano de 1899 no vapor «Continente». Ele ficou quase dois meses em Manaus. O seu nome está gravado em uma placa de mármore, nos corredores do Teatro Amazonas, como a pedir mais respeito e mais veneração para aquela casa ilustre, que soubera entender e aplaudir, mais assombroso dos teatros: o shakespeareano !»

segunda-feira, 28 de maio de 2018

A ESTRADA



A ESTRADA

Rogel Samuel

Da sinuosa estrada entre as montanhas verdes vem uma barreira horizontal. No alto, um céu brilha como um cristal fosco e imóvel. Estamos na Mantiqueira. E passamos a divisa dos Municípios de Delfim Moreira e Venceslau Brás. Os rios do Brasil estarão todos poluídos? Dia virá em que vamos ter falta de água potável. O Rio Sapucaí está ameaçado pelo lixo. Mas os bois, no grande pasto, parecem em paz. À margem, um caminhão tombado. É um gigante morto. Leio um poema de Guillén, traduzido por Thiago de Mello. As estrofes, os versos se embaralham na minha mente. Guillén, um dos poetas preferidos de certo aluno de literatura no Colégio Estadual. Eu já vinha lendo poesia desde que encontrei Camões num livro de primeiro grau:

Oh! lavradores bem-aventurados,
se conhecessem seu contentamento.
Aqueles versos cantam agora, vendo os bois no pasto. Até hoje ouço o compasso daqueles versos. A estrada sinuosa e verde continua. Um dia chegarei ao fim.
Mas o deserto está crescendo. Na serra da Mantiqueira, região de Piquete, desapareceram as florestas. As montanhas despontam, secas, nuas. Isso até parecia natural na Via Dutra, mas ali é novidade. Dali até o vale de Itajubá a devastação avançou em poucos meses. À direita da estrada pode-se ver um lixão às
margens do rio que vai cortar a cidade de Itajubá e onde poucos quilômetros abaixo crianças tomam banho e adolescentes nadam. De Itajubá até Poços de Caldas as antigas vilas se transformaram em cidades que, sem planejamento, estão plantadas no meio da planície deserta de avermelhado de barro. Na próxima grande chuva o rio que corta a cidade de Itajubá pode transbordar, entulhado. O nosso país caminha para um desastre ecológico: o rios se transformaram em esgotos escuros, e os riachos se transformaram em valas negras. “O deserto está crescendo. Desventurado quem abriga desertos”.

Mas eu festejo solitariamente os 58 anos de minha poesia. O primeiro poema que publiquei na vida foi no dia 8 de fevereiro de l959 em O jornal de Manaus.
Não um poema de que me envergonhe de todo, afinal eu tinha 16 anos e aparecem versos até razoáveis como:

o vento
o córrego entre as
montanhas
a lua líquida
sobre a superfície

Havia todos os lugares-comuns da tradição poética, ou seja, poetizando a "poesia" com todos os chavões conhecidos de que não me libertei até hoje.
Sim, festejo silenciosamente os 58 anos de minha poesia. Não escrevo isto com tristeza, mas até com certa vitória. Afinal, bem ou mal foram 58 anos de produção literária. Há quem não tenha tido nem isso de vida.

quinta-feira, 24 de maio de 2018

O POEMA PROFÉTICO



O POEMA PROFÉTICO

Rogel Samuel

Mithrídates Correa é o poeta mais desconhecido da Amazônia. No entanto, muito escreveu. Em jornais, revistas, Manaus. Não publicou um só livro. Era um bom poeta. Poucos se interessaram por sua obra. Um dos poucos foi o grande piauiense Assis Brasil, que fez muito mais pela cultura brasileira do que um ministério da cultura. Devemos à persistência de Assis Brasil a melhor coletânea da poesia no Brasil em livro.
Mithrídates Correa nasceu em Manaus, em 1904 e lá faleceu, em 1968. Foi juiz no interior e professor Catedrático de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da Universidade do Amazonas. “Promotor público, advogado, militante, poeta”, escreveu Assis Brasil.
Ele morreu no dia primeiro de janeiro de 1968.
Um dia antes de morrer, publicou no “Jornal do Comércio” de Manaus um poema profético, falando de sua morte: “não pode o coração sofrer engano, / ainda que seja um coração de aço”.
Apesar de não ter publicado nenhum livro, entrou em antologias e na Academia Amazonense de Letras, onde ocupava a cadeira Olavo Bilac.
Seus textos em prosa são excelentes, como li nos poucos fragmentos que nos sobraram. Seu testamento poético foi encontrado depois de sua morte. Um poema longo, do qual extraio alguns versos, que dizem: “Quando eu já não for / ... / que se abra o chão / e à voracidade da terra / minhas carnes atirem / vida em movimento, alma em ação / que eu volte a ser nada / como fui outrora / da vida um acontecimento / em trajetória para o esquecimento / e o que deixei de mim como lembrança / que sirva de alimento”.
Está o poema na revista da Academia Amazonense de Letras, n. 12, de 1968. Pouco depois de sua morte. Mas, como ele escreveu, em outro poema:
“Não morre o que transforma a força em pensamento
e desta arranca a cor e o movimento
e tudo que de belo o pensamento encerra”.
Fui o primeiro a colocar na Internet os poetas amazonenses antigos, no meu deletado “Site do Escritor”, que a Geocities teve o cuidado de tirar do ar, até hoje não sei por quê. Talvez porque excedia o limite do espaço on line. Mas não estava lá o poeta Mithrídates Correa.
Como ele escreveu, todos nós estamos “em trajetória para o esquecimento”.

terça-feira, 22 de maio de 2018

O grande tesouro

O grande tesouro

(Coroa de esmeraldas que pertenceu à Rainha Vitória)
 
O grande tesouro

Rogel Samuel


"Conheço agora
este tesouro da verdadeira liberdade,
inesgotável não só para mim
mas também para todos outros:
a lua brilha sobre a água do rio
o vento sopra nos pinheiros
fresca e pura sombra de uma larga noite.
Qual é a causa?"

Yoka Daishi. "O canto do satori imediato"



Yoka anuncia a decoberta de um tesouro, de um tesouro da liberdade, libertaçao verdadeira, inesgotável tesouro, para ele, para todos, e qual é esse tesouro? onde reside este tesouro? lá, na lua que brilha sobre o rio sem causa, no vento que sopra nos pinheiros sem causa, na fresca e pura sombra sem causa, de uma noite sem causa, de uma larga noite sem causa. A descoberta de que nada tem uma causa, de que tudo é gratuito no Universo, é a libertação absoluta, é o tesouro máximo da liberdade absuluta.

D. PEDRO II FOI O ÚNICO EM TODAS AS 3 AMÉRICAS A RECEBER A ORDEM DA JARRETEIRA

D. PEDRO II FOI O ÚNICO EM TODAS AS 3 AMÉRICAS A RECEBER A ORDEM DA JARRETEIRA




D. PEDRO II FOI O ÚNICO EM TODAS AS 3 AMÉRICAS A RECEBER A ORDEM DA JARRETEIRA

Ordem da Jarreteira em todo o mundo apenas 258 pessoas a receberam, ela é a mais alta ordem da Inglaterra. No hemisferio sul, somente o ultimo imperador do Brasil, D. Pedro II a recebeu. Ela lhe foi entregue pela rainha Vitoria, após a "Questão Christie", quando o Brasil quase entrou em conflito com a Grã-Bretanha, chegando a expulsar o diplomata saxão das terras brasileiras.

RECENTEMENTE O PRÍNCIPE WILLIAM CASOU-SE COM A FAIXA DA ORDEM. É A FAIXA AZUL NO SEU TÓRAX.

sexta-feira, 18 de maio de 2018

havia uma igreja no alto


havia uma igreja no alto
de lá se descortinava
o grande mar o asfalto
por onde a estrada passava
ficava o mundo em pedaços
a praça os recomeços
as cartas de teu regresso
ficavam nas pedras os passos
a esquiva glória de amar
os pedaços de si mesmo
o meio a linha os traços
o espetáculo no espaço
a glória curta no ar
havia uma igreja no alto
e o plano do grande mar

ROGEL SAMUEL

quinta-feira, 17 de maio de 2018

TRÊS LIVROS

Obrigada pelo envio caríssimo
Rogel Samuel
Encheste-me de fortuna

FRANCISCA DE LOURDES LOURO

A 3ª REIMPRESSÃO DA 6ª EDIÇÃO

A 3ª REIMPRESSÃO DA 6ª EDIÇÃO NA SUA LIVRARIA...

quarta-feira, 16 de maio de 2018

A calota polar

A calota polar














"






A calota polar

Rogel Samuel





A calota polar está desaparecendo. Isto pode ser um gravíssimo acontecimento. Pode haver de tudo: aumento do nível das águas, deslocamento da massa das águas, eliminação do nível que hoje os oceanos têm, mudança de clima, etc. etc.

Não sei se isto pode eliminar a vida na Terra, mas o desequilíbrio pode ser grande.

Diz o jornal Publico, de Portugal: "Temperaturas do solo sempre congelado na Antárctida estão a subir durante o Verão.

Até aqui não havia muitos dados a nível mundial sobre o que se está a passar na Antárctida com o solo sempre congelado, o permafrost. Mas, graças às investigações na região da Península Antárctica, nos últimos nove anos, de uma equipa coordenada pelo Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa, começa a ter-se uma ideia: a parte superior dopermafrost tem vindo a aquecer.

Estes resultados foram apresentados numa sessão de divulgação no Centro de Estudos Geográficos (CEG), na segunda-feira. "Já sabíamos que havia um aumento das temperaturas do ar, que foi de 2,5 graus [Celsius] nos últimos 50 anos. Não se sabia era nada do que se passava no solo, não havia dados", explica ao PÚBLICO Gonçalo Vieira, coordenador do Grupo de Investigação em Ambientes Antárcticos e Alterações Climáticas do CEG".

Dizem que "o derretimento da calota Polar do Ártico não teria nenhuma influência no nível do mar, pois se trata de gelo flutuante. Isso significa que, em estado sólido ou não ,ele eleva o nível do oceâno igualmente. Nenhum aumento ocorreria no nível do mar, por motivo do derretimento dessa camada de gelo".


Mas o solo é que está esquentando.

segunda-feira, 14 de maio de 2018

O livro secreto

O livro secreto








O livro secreto

Rogel Samuel


Quase frio. A tarde fria, úmida. Sem sol. Paira uma tristeza no ar. Sinto falta de um gole de café, viciado que sou. Quantos cafés tomo por dia? Li uma página de Montello sobre o Diário secreto de Humberto de Campos. Montello diz que ali estão algumas das mais belas páginas de Humberto de Campos. E das mais sofridas. Montello diz que não fala mal de ninguém em seus diários. São imensos volumes. Li dois deles. “O silêncio é também uma sentença”, conclui. Ascendino Leite relata a sua dificuldade de achar uma editora. Teve de pagar seus próprios livros, na maioria das vezes. A Itatiaia o publicou. Pedro Paulo, da Itatiaia, publicou muitos belos livros que não venderam. Encalhe enorme, que não preocupava Pedro Paulo: “Acabam vendendo”, dizia ele. Não fazia liquidação de seus livros. Editava com amor. Tinha mais de 5 mil títulos no catálogo.

domingo, 13 de maio de 2018

MINHA MÃE E O BUDISMO


MINHA MÃE E O BUDISMO

ROGEL SAMUEL


Minha mãe participou ativamente do budismo em certas ocasiões.
Um dia estava no Rio e lhe disse que não podia eu ir a um retiro budista para não deixá-la só.
- Eu vou junto, disse-me ela.
Era numa floresta belíssima com um córrego na montanha e o orientador era o Bikkhu Annuruddha, monje theravada já falecido do Ceilão.
No fim, ela me dizia:
- Foram os melhores dias de minha vida...
Depois, em Manaus, eu organizei o primeiro grupo budista da cidade e ela teve participação fundamental na organização...
Mais tarde fizemos uma longa prática em sua casa e ela convidou os vizinhos.
Era devota de Tara: Quando um monstruoso cão raivoso a atacou, ela só teve tempo de dizer: TARA TARA TARA – e o animal se apaziguou.
Espero que hoje ela esteja no universo de Tara. Na floresta de sândalos perfumada...


Thank you Henry Chia for your image

sábado, 12 de maio de 2018

DIA DAS MÃES



Dias das mães

Rogel Samuel


Que dirá no dia das mães?
Que ou como fazer a releitura em desenho da mãe?
Mãe protetora ou geradora mãe da vida?
Mãe que dá o leite da existência, a mãe fonte da onda, do tempo, da luz, da força?
Mater dolorosa do Cristo, mãe de todos nós...
Mãe-terra, mãe-água, mãe do universo...
Mãe anjo da guarda, mãe das coisas divinas e terrenas,
Mãe morta há muito tempo mas muito viva, mãe viva, mãe vida!


FOTO R. SAMUEL: BIARRITZ

sexta-feira, 11 de maio de 2018

MINHA MÃE



MINHA MÃE: "NÓS nos despedimos na Cancela sob a primeira luz da madrugada do Natal de 1897 - eu de minha mãe, nunca mais a vi - na presença de todos que ali estavam e de quem me não quero lembrar, no povoado de Patos em Pernambuco, de onde parti com duas mudas de roupa na mala, amarrada, costurada, com um cosmorama onde se avistavam as paisagens de Manaus, Belém, Paris, Londres, Viena e São Petersburgo."

jardim antigo

jardim antigo



um fato aconteceu
no silêncio das flores do jardim abandonado
entre os arbustos
e folhas secas

aumentaram as cores
a vivacidade variada
libertaram
não sabem a nenhum
germinam grandes entre pedaços de
estatuária
debaixo de pedras
dentro dos tanques surdos

somente perdidos anjos
e o cão preto
aquelas aves desgarradas
aquelas murtas velhas
não a vêem

à noite um lagarto verde
entre as estrelas azuis

as flores dormem

as flores há muito tempo lá estavam
elas dormem

ROGEL SAMUEL

quarta-feira, 9 de maio de 2018

uivo longo noite escura vento

uivo longo noite escura vento

uivo longo noite escura vento
o vento evoca suas vozes
longas e ecos cavernas fundas
por que parece que morri?
uivo longo, muitas vozes
silenciadas
madrugada escancarada
prata ouro lanterna mágicas
calma nos arredores e arrepio
uivo longo na murada
volto a sonhar

ROGEL SAMUEL

terça-feira, 8 de maio de 2018

Conteúdo e visão geral da poesia de Américo Antony

Conteúdo e visão geral da poesia de Américo Antony

Jorge Tufic



“Cromos Amazônicos” é o mais denso, talvez, de todos os livros inéditos de Américo Antony, somente comparável ao seu irmão mais próximo intitulado “Crisóis”, seguido de perto pelo “Grinaldas Selvagens”, “Canções Perdidas e outras dispersas” “A Alma do Silêncio”, entre vários ainda não classificados para uma titulagem definitiva.

Polariza este livro o já nosso familiar acento melancólico do poeta que se busca encontrar, após anos de ausência, com o berço nativo de seus legítimos antepassados e uma profunda nostalgia, possivelmente cósmica, diante de um mundo lacerado pelos equívocos da História.

Confirma-se, no entanto, que ninguém soube, como ele, Américo Antony, desvendar as queixas do verde, os mínimos segredos telúricos da selva desconhecida, ainda hoje, por quantos se aventuram no empenho de conquistá-la. A metáfora do poeta, contudo, transcendentaliza-se, mas nunca se hermetiza. Ou quando se hermetiza, ainda mais clara se torna. Pode-se até dizer que o seu vocabulário afetivo se concentra, quase sempre, em torno de núcleos temáticos na aparência repetitivos; mas isto é ilusório: seu estilo e sua linguagem emanam da simplicidade que rejeita o supérfluo, colando-se deste modo singular ao fluxo natural de sua dicção predileta.

Américo Antony, embora dono de vasto léxico regionalista, não refoge à tradição poética: cita os deuses das mitologias grega e romana, em sinal mais que evidente de que os tempos primeiros de Jurupari cederam, ou cedem, às pressões externas; e que o futuro já deverá ser pensado como um novo sol que está vindo em contrapartida daquele que nos fugira.

A obra inédita de Américo Antony é bastante volumosa, perfazendo um total de 600 ou mais poemas, devidamente selecionada, ou seja, dando-se por temporariamente “excluído” um volume de páginas ainda não classificadas e tituladas, com inúmeros sonetos d’occasion, mais o “Dardos de Fogo” e a confusa miscelânea de poemas e sonetos a que o poeta não chegara a dar os devidos títulos de sátiras e epigramas, uma espécie de variante que discrepa sobremodo da verdadeira saga poética do autor.

Poeta solitário, contando apenas com poucos amigos, dentre eles alguns jovens que seriam, anos depois, fundadores do Clube da Madrugada, Américo Antony, talvez por este motivo, tudo fazia para conservar seus escritos marcados pela gratidão do artista aos raros, porém fiéis, admiradores que em nenhum momento de sua vida deixaram de acompanhá-lo, rendendo-lhe os merecidos tributos.

Daí nossa alegria em descobrir, já desbotados pelo bolor das intempéries, velhos papéis manuscritos pelo mestre; num destes, ainda intacto, uma epígrafe de Alencar e Silva retirada de um artigo sob o título “Clarões da Selva”, com data de março de 1953, no qual o poeta de “Território Noturno” fala sobre a poesia de Américo; e, como parte do livro “Canções Dispersas”, emerge um soneto dedicado a Jorge Tufic, a quem caberia, em 1987, como presidente do Conselho Estadual de Cultura, a iniciativa de publicar seu longo poema amazônico “Conory”.

Prosseguindo na reunião da obra dispersa do famoso “Ermitão da rua Japurá” daí resultara a formação de mais dois tomos da obra antonyana, além das já referidas “Cromos Amazônicos”, “Crisóis” e “Grinaldas Selvagens”. São eles: “Alma do silêncio”, “Dardos de fogo” e a confusa miscelânea de poemas e sonetos a que o poeta não chegara a dar os devidos títulos gerais.

Em “A alma do silêncio”, o poeta como que apura e intensifica a sua ojeriza pelo terrorismo sociopático da urbe moderna ou modernosa; contrapõe-se a ela assumindo uma atitude de suprema indiferença aos valores mundanos em favor do eu espiritual que só se revela ao contato dos elementos primários, como a água e a pedra das cachoeiras, a flor e o cântico soturno das aves nascidas da luz e do mistério que alimenta as raízes do sonho. O mundo do poeta já não é mais o mesmo. Torna-se incompreendido.

Em “Crisóis”, tanto quanto nos “Cromos Amazônicos”, o poeta sente-se à vontade em dar expansão ao estro temático que o liga às nascentes perpétuas do amor telúrico e da fábula racionalista. Mais neste, porém, do que naquele, o vate amazônico “pensa” tanto quanto se inclina e se rende aos encantos da natureza.

Em “Grinaldas Selvagens”, com surpreendentes “aquarelas” como este soneto que ele intitula “O sorriso da montanha”, o símbolo da flor já contrasta com os primeiros movimentos articulados à destruição das florestas. Sintomático o uso do plural quando a floresta, a biota, é una pelo simples fato de constituir-se um todo, mas que, obviamente, formado por segmentos, ou seguimentos orgânicos, partes, enfim, da totalidade, sem cujas partes nada representa. Daí, florestas. Saber, sabença, conhecimento lúcido de pajé. O soneto deste livro sob o título “Contra a destruição da floresta” é um grito, como há outros no texto, cuja mensagem atualiza, pari passu, qualquer oportuníssima vontade para rever e para reler Américo Antony à luz das estrofes que se fizeram (e ainda se fazem) nas várias moradas de Jurupari.

Enfim, tudo neste opus corre por conta de uma incurável paixão pelos motivos da mata amazônica, de um, quem sabe, enigmático deslumbramento estético pelo todo que se junta às partes e das partes que celebram a totalidade inexaurível do próprio mito.

A primeira incursão pela obra de Américo Antony se dera por iniciativa do Conselho Estadual de Cultura, com base na Resolução s/n, DE 1975, que resultara neste ensaio de Jorge Tufic – “Américo Antony – O último cisne” (aqui reproduzido sob o título de “Conteúdo e visão geral da poesia de Américo Antony” – publicado na edição n.º 04, ano I, em julho de 1978, do LIVRORNAL (o livro em jornal).

Fazer o inventário e levantamento do acervo, quer inédito ou édito deste grande poeta amazônico, seria essa, com certeza, a preocupação do colegiado, por mais árduo e tardio que fosse o resgate de mais de 600 manuscritos de sonetos e poemas aleatoriamente reunidos em caixas de papelão, pastas e cadernos deixados por ele.

A inclusão do estudo feito por mim, espécie também de relatório apresentado ao Conselho Estadual de Cultura, tem, portanto, a finalidade maior, 1.º de informar sobre as dificuldades encontradas no decurso da pesquisa destes valiosos documentos, e 2.º acolher o referido trabalho que tem forma mais de relatório da comissão designada pelo CEC, do que propriamente de ensaio crítico sobre a poesia de Américo Antony.

domingo, 6 de maio de 2018

O VESTIDO VERDE

O VESTIDO VERDE

O VESTIDO VERDE
 
Rogel Samuel
 
 
         Sim, toda vez que eu passava pela avenue de la Motte Picquet tinha de dar uma paradinha naquela loja de roupas caras, exclusivas, para ver o vestido verde. Era bom de ver, alegoria de nossa, da minha Amazônia. Era bom ver o traje, a indumentária transformada em arte. A toillette, coisa de arte francesa ou não, arte parisiense ou não, lembrava Burda, o magazine que ainda existe em se não me engano língua alemã com aquelas belas mulheres sob uns leves chapéus que sempre tinham o gosto das rendas desmaiadas das mantilhas das espanholas e rainhas.
         Sim, ao lado havia uma casa, talvez de doces, espécie de pâtisserie, e mais um pouco um café. Um elegante café. Em frente se ostentava a fachada da École Militaire, construída por Luiz XV, em frente ao du Champ de Mars, onde Napoleão estudou. E ficava no VIIe arrondissement, rica região de prestígio e alta burguesia. Lá atrás estava a UNESCO, que Eduardo Portella dirigiu, e várias embaixadas.  
         Por que gostava tanto eu da alta costura daquele vestido verde, exclusivo, eu que me visto tão mal, que ando pelas ruas do Rio de Janeiro como mendigo, de chinelo de dedo e uns blusões fora de moda?
         Por quê?
         Talvez porque, quando menino, minha mãe costurava e recebia o magazine Burda, em alemão, que meu pai traduzia para ela.
         Meu pai era francês de língua alemã, pois cresceu em Strasburg e ali foi educado. Sua língua “materna” era o alemão, não o francês.
         Eu vivia folheando aquelas revistas de minha mãe. Minha primeira “literatura” foi aquela, que minha mãe, enquanto costurava, me fazia ver.
         Minha mãe costurava muito bem. Durante um tempo, ela costurava “para fora”. Lembro-me de que ela estudou com a modista carioca que fazia os vestidos de Teresa de Sousa Campos, com quem minha mãe se parecia. Aquela modista, que morava na Prado Jr., esquina com Av. Atlântica, viveu um tempo em Manaus porque seu marido teve negócios por lá.
         Minha mãe era uma mulher elegante (e ainda o é, aos 84 anos). Foi uma das “10 mais elegantes de Manaus”, apesar de não ser rica. Mas costurava excelentemente.
         O vestido verde permanecia sempre lá, caríssimo e exclusivo, como no outro lado do rio Negro aquelas árvores. Na outra margem do Igarapé do Inferno, do meu “Amante das amazonas” estão elas, vejo-as, entre as colunas das folhas, vêm da curva descendente que sai do verde-escuro para o verde-cré, até a fímbria da saia de aço da fria lâmina do rio. Como nessa matéria nada é absoluto, começo afirmando que o vestido era todo feito de pedacinhos de pano verde emendados uns aos outros pela parte de cima, e os retalhos caíam como folhas das árvores, como da copa das árvores, arriadas pelo pesado sol e forte, o chão liquido filtrado pelos raios através do verde escuro, as minúcias das luzes em redes de cobertura fofa, arriscada, acamada da folhagem seca como patê silvestre, pavê molhado, folheado, cremoso, marrom, onde se deitavam flores selvagens - sim, aquilo era a vestimenta do Igarapé do Inferno re-visitado, depois de tanto tempo, invadido, muito além do ponto onde a minha imaginação e o meu delírio anterior tinha chegado, nos limites do fim do mundo.
         Aqueles tecidos escondiam a mata molhada, literária. Um observador de bom olho nada veria ali, além de um vestido, mas algo havia, por trás da glorificação daquele esplendor de veludos e de sedas de um vegetal amazônico em plena Paris. As rendas da saia eram o que se podia chamar de solares, e penetravam minhas retinas ensandecidas como lâmina de faca, sincopadas e intrusas, compridas, naquele parque aquático de gigantes antigos, insatisfeitos por serem incomodados, dignos, altaneiros. Então era o rumo ignoto do arcaico, do mítico, do inominável, do distante, da paragem dos seres mágicos como Numas. Dir-se-ia que as estruturas antigas do mundo estavam escondidas ali, que lá o mundo terminava, nos seus desconhecidos motivos...
         E súbito eu via, na margem do rio, aparecer uma mulher vestida de verde com aquele vestido, e dançava na parte mais elevada do terreno, e com o braço erguido sustentava um vaso ritual, de onde partia uma seringueira já crescida. O tronco da árvore passava por trás dela, e era a estátua, agora verde, que D. Ifigênia Vellarde tinha trazido da Europa no fim do Século passado.
 
         Atrás daquela mulher congelada estava - magnífico, supremo, inominável, majestoso - o Palácio Manixi!
 
         E aquela mulher desfilava pelos salões do palácio, e das janelas abertas saíam grossos e longos galhos de árvores frondosas, nascidas por dentro, e assim parecia que o Palácio tinha criado asas e ia começar a voar. O Palácio se cobrira de uma pátina de beleza extraordinária, de uma vitalidade monumental - estava ali, vivo, lavado, enlouquecido marco de seu tempo. Era um santuário, dominava o ambiente, um templo antigo, perdido no meio da floresta, de uma outra era. Toda a luz ao redor irradiava dele, de uma civilização de um outro século, de um outro mundo desconhecido, limite vivo do luxo e do esplendor da borracha do fim do Império.
         A floresta avançava contra ele, construindo um estranho cerco sobre a moldura e irisação de sua arquitetura antiga coberta de cipós e de galhos de uma folhagem abundante que vinha de dentro dos salões requintados e criavam a aura de um extasiado espetáculo.
         Mas era no “Amante das amazonas” que aquilo se dava, não em Paris.
         Pois todos os suntuosos fantasmas exsurgiam dali. Toda a História desfiava o seu curso. O tempo ali se congelava, inerme, no meio dos amplos salões, desaparecendo ao longo daqueles mesmos corredores, escorrendo ao longo das paredes pesadas de estuque, lúgubres, de uma decoração barroca. Eram seres invisíveis todos mortos que despontavam, uma vez mais, arrastando longos e pesados vestidos de veludo verde, envergando reluzentes casacas, esquálidos, saídos daquele sepulcro do luxo daquele tempo, através daqueles amplos espaços povoados de símbolos, dentro daquela enorme construção de um outro mundo, do fim de um mundo de onde todos tinham fugido, povoado de demônios, culpados, expiando suas culpas mortas.
         E à noite desfilavam, ao longo daqueles corredores, através da seriação de janelas e portas, refletindo suas sucessivas silhuetas nos espelhos apagados, misturando-se com figuras pintadas nas paredes, e famintos, gélidos, sem ousar sair ao jardim abandonado, aquém do porto as ornadas figuras de fino e feroz olhar que não permitiam a ninguém penetrar naquele santuário do desperdício da riqueza antiga e condenada, ninguém pudesse subir aquela escadaria e atravessar aquelas salas além daqueles mármores trazidos há incontáveis anos para ladear-se com o cinzento e o estilizado. Era como se dissessem: “Desaparecei!”. Ou como se ameaçassem: “Afastai-vos!”.
         E à noite a figura do antigo e descamado dono poderia ser vista, através das janelas, como se o iluminasse uma catedral, mostrando-lhe a face horrível e desesperada, os olhos mergulhados no escuro, à procura de algo, à procura do tempo, à procura de si - e passando sem que ninguém o visse na sua infinita miséria. E todo o esplendor daquele luxo antigo era uma tortura sinistramente mergulhada na destruição de um império ali por fim silenciado.
 

sexta-feira, 4 de maio de 2018

Marília de Dirceu

Marília de Dirceu
Parte 2-3
Lira XXXIII
Morri, ó minha Bela:
Não foi a Parca impia,
Que na tremenda roca,
Sem Ter descanso, fia;
Não foi, digo, não foi a Morte feia
Quem o ferro moveu, e abriu no peito
A palpitante veia.

Eu, Marília, respiro;
Mas o mal, que suporto,
É tão tirano, e forte,
Que já me dou por morto:
A insolente calúnia depravada
Ergueu-se contra mim, vibrou da língua
A venenosa espada.

Inda, ó Bela, não vejo
Cadafalso enlutado,
Braço de ferro armado;
Mas vivo neste mundo, ó sorte impia,
E dele só me mostra a estreita fresta
O quando é noite, ou dia.

Olhos baços, e sumidos,
Macilento, e descarnado,
Barba crescida, e hirsuta,
Cabelo desgrenhado;
Ah! que imagem tão digna de piedade!
Mas é, minha Marília, como vive
Um réu de Majestade.

Venha o processo, venha;
Na inocência me fundo:
Mas não morreram outros,
Que davam honra ao mundo!
O tormento, minha alma, não recuses:
A quem sábio cumpriu as leis sagradas
Servem de sólio as cruzes.

Tu, Marília, se ouvires,
Que ante o teu rosto aflito
O meu nome se ultraja
C'o suposto delito,
Dize severa assim em meu abono:
"Não toma as armas contra um Cetro justo
"Alma digna de um trono."


terça-feira, 1 de maio de 2018

DIA DO TRABALHO


DIA DO TRABALHO

Para que serves
A quem serves
Ao fazer? Somos
O que consomes
Ao escrever? Lemos
O que nos chega pela
Janela.
Dia
Muitos dias
Muitos trabalhos
Muito cansaço
Dia do trabalho
O que faço?

ROGEL SAMUEL

MARIA AZENHA








os livros que leio
têm pedras e veias por dentro
correm pelos corredores
indo desaguar a diversas salas

por vezes dão frutos
e brincam com as folhas das árvores.
há também os que vão ter comigo
em dias de tristeza e frio,
dão pelo nome de vento
arrombam as portas das janelas fechadas.

os livros são como rios.

os livros,
os livros,
os livros.

domingo é um dia em que eles todos juntos
correm para o Nada


Maria Azenha, “domingo é um dia”