sábado, 22 de abril de 2017

Cidades



Cidades

Rogel Samuel

Da janela se vê a torre da capela, entre as árvores, no sopé 
da montanha. 
As magnólias brancas reverdecem, ainda sem flores. 
O resto é floresta. 
Como será aquela igrejinha no meio da paisagem? 
Uma grande torre de nuvens se ergue sobre o céu, e parece mais alta ainda do que as mais altas montanhas. 
Um aeroplano cruza o espaço azul claro. 
Em Katmandhu, quando o céu está limpo e claro, se podem ver as brancas e grandes geleiras dos Himalaias, ao longe, como uma dentadura de reluzente cristal. 
Eu quero muito voltar para lá, rever Boudanath e Thamel. 
Há cidades incorporadas na nossa substância mental : Manaus, Sydney, Katmandhu. E esta Poços de Caldas. 
As cidades são nossas personalidades edificadas em pavimentos, ares. 
Um dia, um amigo disse, em Manaus : « Amanhã o R. vai-se sentir em casa ». Porque eu voltava para Rio. 
Mas eu não consigo ver o Rio dentro de mim, senão quando estou muito longe. 
Aí me ocorrem imagens, lembranças, músicas. Marchas de carnaval. 
A estupa de Jerukhanshor, em Boudanath; o Teatro Amazonas, em Manaus; a casa do Chris, em Portland; a UBC, em Vancouver. 
Onde eu realmente gostaria de estar? 
Não sei, não tenho raízes profundas. 
Um dia Lothar, em Frankfurt, me disse que ele era cidadão das 
cidades. Mendelshonstrasse, onde estava. 
Em Manaus, na rua Sete de Setembro. Pelas janelas dos fundos se via o Rio Negro. Havia um gavião, que habitava um buraco perto do telhado da edificação de uma velha fábrica. 
Todas as tardes, ao por do sol, eu ia de binóculo vê-lo. 
Parecia uma águia romana, desafiava o espaço, de asas abertas. 
Soberano. 
Aquela fábrica datava da época da borracha. Ficava nos fundos do cinema que havia nas margens do igarapé, creio que Cine Éden, ex-Alcasar, hoje igreja evangélica. 
As ruas guardam também muito sofrimento, camadas de lembranças acumuladas e mortes.
Como os trechos escuros de Paris. 
Qual a cidade mais alegre? 
Depende de cada um, de suas lembranças. 
E das magnólias.

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