sexta-feira, 21 de outubro de 2016

NUMAS

NEUZA MACHADO: O FOGO DA LABAREDA DA SERPENTE



“Não ficavam visíveis, às claras”. Como posso detectar o sentido oculto dos invisíveis e indomáveis Numas desta narrativa? Que são os Numas? Seriam eles, verdadeiramente e geograficamente, por via de acomodamento fonético-vocabular, os inconfundíveis Iauanauas (ou Yamináua ou Jaminaua ou Jamináwa) do Rio Gregório, detectados etnograficamente? Ou seriam o subgrupo isolado também chamados de Iauanauas, da cabeceira do Rio Acre, mas tribo diferente da população do Rio Gregório? Segundo dados governamentais, existe também um grupo indígena, peruano e boliviano, chamado Iauana, não reconhecido pelos governos de lá, mas incluído na relação de índios brasileiros do subconjunto Pano setentrional, isolado, dos Rios Jandiatuba e Jataí. No âmbito das suposições teórico-interpretativas, os Numas mítico-ficcionais poderiam provir dessas tribos isoladas, as quais viviam, e ainda vivem em menor número, em jurisdições estabelecidas na região interregno do Estado do Acre com o Departamento Ucayali, no Peru.
Entretanto, de acordo com esta narrativa histórico-mítico-ficcional, especialmente, os Numas “não ficavam visíveis, às claras”. Seriam eles os míticos Numes de passados relatos simbólicos, aquelas aéreas divindades mitológicas que se elevavam no ar por meio de influição divinizadora? Seriam eles os antigos gênios alados, só perceptíveis por meio de espiritualíssima intuição? Ou foram germinados e multiplicados, simbolicamente e criativamente, a partir da deusa suméria Inanna, protetora da guerra e do prazer sexual, associada ao vento, enquanto divindade mítica? Se por vezes penso nas genealogias dos diversos arcabouços míticos-religiosos da humanidade, percebo sempre uma espécie de confluência aproximando os relatos.
“Não ficavam visíveis”: repenso a informação reflexivamente, porque esta fase do romance se desenvolverá por intermédio do patrocínio de reminiscências caprichosas do imaginário mítico-familiar, todas interligadas aos diversos narrares tradicionais da realidade mítico-indígena-e-social brasileira. Tais narrativas, indiscutivelmente poderosas, heroicamente/simbolicamente personificadas por criaturas aladas extraordinárias, foram, são e sempre serão representativas das potências da natureza e das incríveis incomuns qualidades do ser humano. Em outras palavras, os Numas ascendem, ficcionalmente e miticamente, por intermédio do poderoso tronco familiar, primitivo e ímpar, do índio amazonense, oriundo das altas e inóspitas regiões andinas. O mencionado tronco, certamente, no meio dos infindáveis inter-relacionamentos sócio-culturais, foi realçado como fundamento sanguíneo intercambiável, digno de ser aceito como altamente proveitoso no âmbito da real miscigenação da sociedade manauara e brasileira, altiva e historicamente preconceituosa, uma vez que o glorioso mito do ativo exercício do poder estará sempre e indissoluvelmente interligado às grandes alturas, pouco hospitaleiras.

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