sexta-feira, 18 de junho de 2010

SARAMAGO - As Intermitências da morte


De As Intermitências da morte



No dia seguinte ninguém morreu. O facto, por absolutamente contrário às normas da vida, causou nos espíritos uma perturbação enorme, efeito em todos os aspectos justificado, basta que nos lembremos de que não havia notícia nos quarenta volumes da história universal, nem ao menos um caso para amostra, de ter alguma vez ocorrido fenómeno semelhante, passar-se um dia completo, com todas as suas pródigas vinte e quatro horas, contadas entre diurnas e nocturnas, matutinas e vespertinas, sem que tivesse sucedido um falecimento por doença, uma queda mortal, um suicídio levado a bom fim, nada de nada, pela palavra nada. Nem sequer um daqueles acidentes de automóvel tão frequentes em ocasiões festivas, quando a alegre irresponsabilidade e o excesso de álcool se desafiam mutuamente nas estradas paar decidir sobre quem vai conseguir chegar à morte em primeiro lugar. A passagem do ano não tinha deixado atrás de si o habitual e calamitoso regueiro de óbitos, como se a velha átropos da dentuça arreganhada tivesse resolvido embainhara tesoura por um dia. Sangue, porém, houve-o, e não pouco.

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