sábado, 6 de março de 2010

O MORRO DO AMOR











O MORRO DO AMOR

(Bico de pena de R.Samuel)

Rogel Samuel

No dia 23 de outubro, a PM ocupou Morro do Amor, no Lins.
Dois traficantes morrem.
E o Coro dos Justiceiros, diz, como em Coríntios, I, 13,18: 'Se eu falar as línguas de homens e anjos, mas não tiver amor, sou como bronze que soa ou tímpano que retine'.
No morro D. Cláudia entregou o filho de 16 anos à polícia.
Hierofante: 'E se eu possuir o dom da profecia, conhecer todos os mistérios e toda a ciência e tiver tanta fé que chegue a transportar montanhas, mas não tiver o amor, nada sou' (idem).
Diz o Coro das faveladas:
- Diz, ó Cláudia, para onde estás indo, com teu filho pelo braço?
- Estou indo a levar o meu filho para os policiais...
Na delegacia, o menor confessa que matou o empresário X, de 65 anos, na madrugada de quinta-feira, em Copacabana.
Coro dos Justiceiros: 'E se eu repartir todos os meus bens entre os pobres e entregar meu corpo ao fogo, mas não tiver amor, nada disso me aproveita' (ibidem).
Grita o Coro das Faveladas:
- Ó Claudia, mulher de dor esmagada, aonde estás indo? A quem estás levando?
- Levo, ó Amigas, o meu único filho para a condenação...
O garoto confessou o crime à mãe, após ler notícia na imprensa do dia seguinte.
Coro dos Justiceiros: 'O amor não é descortês, não é interesseiro, não se irrita, não guarda rancor; não se alegra com a injustiça mas regozija-se com a verdade'
(idem).
D. Cláudia, pobre, cansada, entregou o filho à polícia. Disse que tinha princípios. Disse que tinha, por princípio, a Justiça.
Coro dos Justiceiros: 'O amor é paciente, o amor é benigno, não é invejoso; o amor não é orgulhoso, não se envaidece' (idem).
D. Cláudia entregou o filho aos policiais. Disse que era assim que devia de ser.
'O amor tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta' (idem).
Mas os amantes já não sobem o Morro do Amor...
Digo: O empresário parou seu Mercedes na esquina de Bulhões de Carvalho com Rainha Elisabeth, em Copacabana, e foi abordado por dois rapazes armados.
Vocifera o Coro das Faveladas:
- Isso não poder ser, ó desgraçada mulher! A quem levais desta sorte?
- Sim, desgraçada sou eu, diz a Mãe, a quem a Justiça a tudo obriga.
- Porque 'o amor não se alegra com a injustiça mas regozija-se com a verdade', responde, em surdina, o Coro das Faveladas.
O Empresário fugiu da morte escura com seu carro fúnebre e por isso foi baleado na cabeça.
- Mas ninguém foge dos Senhores da Morte... - reza em surdina o Coro dos Policiais.
Grita o Coro das Faveladas:
- Acorrei, Irmãs, que D. Cláudia leva seu filho para a desgraça...
Hierofonte: E os marginais do Morro do Amor em ataque incendeiam ônibus na resposta ao combate que a PM vinha fazendo ao tráfico de drogas.
Coro dos Justiceiros: Mas sem dinheiro, sem advogado, sozinha no mundo armado, D. Cláudia levava o filho pelo braço...
A Escola de Samba Unidos do Cabuçu no Morro do Amor calou seus tambores...
Pois no dia 23 de outubro a PM ocupou Morro do Amor.
Traficantes morreram e era 23 de outubro quando a PM ocupou Morro e as 'profecias terão fim; as línguas emudecerão; a ciência terminará; mas o amor jamais acabará'.
Porque D. Cláudia entregou o filho de 16 anos à polícia.
Era um garoto.

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