quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

A retrospectiva das horas



A retrospectiva das horas

Rogel Samuel

Alceu Amoroso Lima escrevia uma linha no fim do dia. Só uma linha, num caderno especial, registrava um resumo do que acontecera no dia, uma retrospectiva do dia. Dizia que todo escritor deveria rabiscar um texto todos os dias, para exercitar-se. "Nenhum dia sem uma linha". Ele também redigia uma carta diariamente para a filha monja reclusa, naquela sua ilegível e apressada letra, o texto na ortografia antiga. Todos os dias uma carta sobre seu dia, sua vida cotidiana e espiritual. Todos os dias um resumo de sua vida. Uma retrospectiva das horas.

Alguns monges budistas tibetanos recomendavam que, no fim do dia, antes de dormir, deveríamos meditar sobre o que fizemos no dia colocando bolas pretas e brancas numa caixa - as pretas para nossas ações más, as brancas para nossas boas ações. Assim faríamos um balanço do dia. Num diário também. Exprimiriam nossas promessas? Composição na soma do tempo.
E no fim do ano? Vamos comemorar porque a vida de um ano foi ótima, toda vida vale a pena e ela é efêmera e se esvaiu, logo se parece longínqua, fina gaze. Meu Deus! A vida é mesmo um sonho, uma visão de um mágico show. Triste ou bela, sólida ou frágil, "a vida leva-a o vento", escreveu poeta João de Deus (1830-1896), no seu "Campo de flores":

A vida é o dia de hoje,
a vida é ai que mal soa,
a vida é sombra que foge,
a vida é nuvem que voa;
a vida é sonho tão leve
que se desfaz como a neve
e como o fumo se esvai:
A vida dura um momento,
mais leve que o pensamento,
a vida leva-a o vento,
a vida é folha que cai!
A vida é flor na corrente,
a vida é sopro suave,
a vida é estrela cadente,
voa mais leve que a ave:
Nuvem que o vento nos ares,
onda que o vento nos mares
uma após outra lançou,
a vida – pena caída
da asa de ave ferida -
de vale em vale impelida,
a vida o vento a levou!

POR ISSO VAMOS COMEMORAR AGORA!

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

A palavra pesada



A palavra pesada

Rogel Samuel

Bilac era intelectual e emocionalmente inquieto, instável, liricamente ansioso, tanto que o titulo de seu livro é “Alma Inquieta”, onde se lê que a palavra não consegue exprimir a sua inquietude, aquilo que ele nem diz nem escreve, porque não encontra a apropriada voz ou não consegue, pois a palavra inútil não responde ao turbilhão fervente do que está só em pensamento – o pensamento, o sentimento é evanescente, leve, para a palavra pesada, fria, espessa, de pedra, uma laje, um sepulcro a palavra inútil, a palavra abafada, sem o perfume sutil que revoa e ilumina com a luz que refulge da idéia - pois quem vai conseguir moldar a expressão de tudo? quem vai conseguir colocar o risco do céu na mão da terra? quem vai dar apropriada voz à ira e ao asco e ao desespero e à fé e às confissões de amor que não saem à luz do dia?

Ah! quem há de exprimir, alma impotente e escrava,
O que a boca não diz, o que a mão não escreve?
- Ardes, sangras, pregada a' tua cruz, e, em breve,
Olhas, desfeito em lodo, o que te deslumbrava...


O Pensamento ferve, e é um turbilhão de lava:
A Forma, fria e espessa, é um sepulcro de neve...
E a Palavra pesada abafa a Idéia leve,
Que, perfume e dano, refulgia e voava.


Quem o molde achará para a expressão de tudo?
Ai! quem há de dizer as ânsias infinitas
Do sonho? e o céu que foge à mão que se levanta?


E a ira muda? e o asco mudo? e o desespero mudo?
E as palavras de fé que nunca foram ditas?
E as confissões de amor que morrem na garganta?!

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Receita de Ano Novo



Receita de Ano Novo

Rogel Samuel

Drummond escreveu um poema com o título acima que eu leio na Internet – mãe de todos os textos – e que transcrevo aqui:

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor de arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação como todo o tempo já vivido
(mal vivido ou talvez sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser,
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?).
Não precisa fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar de arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto da esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um ano-novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

Carlos Drummond de Andrade, "Jornal do Brasil", dezembro de 1997. http://www.releituras.com/drummond_dezembro.asp

Eis que o poeta enfim nos diz que temos de recomeçar, de merecer de novo, de fazer de novo o tempo novo, de renovar o ano no interior da gente, que o ano novo deve acordar é no interior da gente mesmo.
Eu conheci Drummond. Nós o entrevistamos na Faculdade. Ele visitou a nossa turma – coisa rara. Depois o vi passar pela rua em Copacabana. Aqui deixo o meu protesto – nada mais ridículo do que aquela estátua de Drummond no banco da praia. Drummond não era assim. Era magro, mas imponente; tímido, mas altivo. Jamais se poderia imaginar o grande poeta sentado daquela maneira!

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

O quarteto



O quarteto

Rogel Samuel

Eles conversavam e tocavam pela noite a dentro naquela casa, em Manaus, que reunia três a quatro senhores para tocar. Um era um comerciante francês, outro um padre velho alemão, um terceiro era um músico manauara, pai do poeta Luiz Bacellar, e mais outro de que não me lembro. Tocavam para si mesmos, não para um público. O francês no piano ou no violino, o alemão com o violino, o amazonense na viola. Não me lembro se alguém tocava violoncelo. Tocavam trios ou quartetos de Beethoven. Tocavam bem. Como o teto da casa velha era muito alto, a acústica da sala era muito boa. A casa velha tinha um teto muito alto, e uns desenhos inscritos, umas pinturas onde a sonoridade das arcadas se infiltravam. A sala era muito boa. Eles conversavam e tocavam Beethoven pela noite a dentro. Em plena selva amazônica, tocavam Beethoven. Ensaiavam juntos, argumentavam, e às vezes punham algum disco da RCA VICTOR para comparar alguma passagem difícil. Beethoven era ouvido ali, e talvez algum
desconhecido que passasse pela rua àquela hora se perguntasse o que eram aqueles sublimes sons na cidade de Manaus da década de 40.

O verão



O verão

Rogel Samuel

A noite de Natal foi senegalescamente quente neste Rio de Janeiro. Em compensação fiz algo que há muito não me dava ao luxo de fazer: muito cedo dei um pulo na Praia Vermelha. Estava deserta. Uma turista solitária, sentada como buda no banco de pedra, olhava o mar, imóvel, por trás de seus óculos escuros. Imóvel, quieta. Ao lado, enferrujando ao sol, a estátua de Chopin tristemente escutava o vento. Eu fui até a beira dágua com a intenção de mergulho. Mas a água estava frigidíssima e não muito limpa, e eu só me molhei com um copo. Bastou. Senti-me revigorar, alegrei-me, voltei à adolescência quando eu frequentava o Pier de Ipanema que não mais existe. Em sonho exultei e compreendi por que aquela moça branca e aquela estátua triste contemplavam o mar no dia de Natal.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Noite de Natal




Noite de Natal

Rogel Samuel

Magro, longa barba, vestido da sujeira que se encruava no seu corpo como uma nova pele, as roupas em farrapos fétidos, o velho mendigo naquela noite saiu do lugar onde morava feito de pedaços de papelão e latas encontradas no monturo em frente. Ninguém sabia se ainda tinha família. Saiu e olhou para os lados, prosseguiu pelo espaço deserto, chuvoso. A noite escura mais realçava sua aparição de fantasma e ele via, ao longe, a grande árvore de natal da prefeitura acesa numa praia distante. Depois ele desceu a encosta que contornava o lixão aonde ia como os outros todos os dias buscar alimento, tomou a estrada que ia dar no Aeroporto velho e caminhou sem rumo. Era noite de Natal. Nas dobras de sua consciência esquecia quem era, quem tinha sido e aquela estrada deserta descrevia um arco que se estendia até a amurada do mar. Mas vagamente se lembrava que quando criança pulava numa pequena praia e se lançava ao mar do Nordeste antes de vir para o Sul. Como por um cortinado que se abria enevoado, ele reviu sua cidade natal, os irmãos e primos, a mãe Aurora, o tio Rigoberto. Sim, a noite estava escura, mas se via, ao longe, a grande árvore de natal da Prefeitura acesa.
Naquela estrada deserta ele descia no meio da noite. Não havia ninguém naquela zona, e ao longe os automóveis da noite passavam pela estrada rumo à costa Leste da cidade. Não havia ninguém por perto além do céu escuro e do ruído das pedras úmidas pelas curtas ondas do mar calmo e sujo. Ele desceu a escadaria velha molhando os pés. Uma vaga sensação de alegria inundou seus olhos de lágrimas, pois ele se lembrou da Ponta do Caranguejo onde sua família se banhava aos domingos. A noite estava escura e ele via, ao longe, a grande árvore de natal da prefeitura acesa.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Manaus da Senhora Agassiz



Manaus da Senhora Agassiz

Rogel Samuel


Em 1865-66, Elizabeth Cary Agassiz estava em Manaus e nos conta como aquela gente se divertia.
Ela conta do baile que o Governador Epaminondas ofereceu ao deputado Tavares Bastos. As maiores damas da sociedade compareceram. Chovia naquela noite e as damas de vestido longo sem que dispusessem de carruagem tiveram de vir a pé, sobre os sapatos de baile e longos vestidos de seda, cetim e cambraia, com decotes. Mas madame Agassiz conta que nenhuma tinha a barra da saia suja de terra depois de ter andado sobre as poças dágua das ruas enlameadas de Manaus. Ele diz que aquelas damas eram... mamelucas, o que quer dizer que eram legítimas caboclas.
No meio do baile um apito se ouviu vindo do porto e todos correram ao cais para receber
um gaiola que vinha de Belém trazendo os jornais e as compras.
A bordo souberam da vitória de Uruguaiana sobre Lopez no Paraguai.
No dia seguinte outro baile, para comemorar a vitória. Inflamado, coruscante na sua eloqüência, falou Tavares Bastos.
Isto tudo vem no livro de Raimundo Morais, "À margem do Livro de Agassiz".

NATAL

domingo, 21 de dezembro de 2008

Madonna é dona do palco



Madonna é dona do palco

Rogel samuel

Engana-se que pensa que ela é produto da media: Madonna é o resultado de dez horas de ensaio por dia, num exemplo de profissionalismo digno de um virtuose. Minimalista, a fase atual da diva Madonna está excelente. Sem exageros, mais refinada, num compasso minimal, embalador, ela domina o palco, num espetáculo de música e dança, dança com amor - Madonna chorou em São Paulo.
Não assisti aos shows no Brasil, mas me baseio no DVD recente, em NY. Ela corresponde a um anseio de lenda, de balada lendária, sempre dançante, - ela é uma dançarina profissional - há uma espécie de enredo, ela conta uma estória, que se desenrola, ainda que não tive acesso a todos textos das músicas, mas quando ela dedica a seu público a sua canção há uma total integração.
Correu o boato de que ela ia aposentar-se.
- "Adoro o que faço. Quando já não gostar será hora de parar, mas isso ainda não aconteceu",
disse ela.

sábado, 20 de dezembro de 2008

ÌNTEGRA DO BATE-PAPO COM ROGEL SAMUEL



ÌNTEGRA DO BATE-PAPO COM ROGEL SAMUEL

http://www.dilsonlages.com.br/coluna_cont.asp?id=1027
Moderador Entre-textos: Boa noite! A partir de agora você conversa com o escritor Rogel Samuel
Data 17/10/2008 20:03:08
Rogel Samuel: Boa noite a todos.
Data 17/10/2008 20:04:09
Dílson Lages: Boa noite, amigo! Rogel, Você já me afirmou que a quarta edição do Novo Manual é a que mais lhe apraz. Por quê?
Data 17/10/2008 20:05:27
Rogel Samuel: Sim, principalmente porque até agora não li nenhum erro ou frase que eu poderia deixar melhor
Data 17/10/2008 20:05:57
Rogel Samuel: O texto foi reescrito quase totalmente. Novos conceitos foram introduzidos. Parece que está bem, pois já está na quarta edição.
Data 17/10/2008 20:06:30
Rogel Samuel: Fiz o melhor que pude.
Data 17/10/2008 20:07:23
Teresa: Professor entrei na universidade agora em São Luís no Curso de Letras e estou tendo uma certa dificuldade para gostar de literatura. O que o senhor acha que devo fazer?
Data 17/10/2008 20:07:50
Rogel Samuel: Temos 80 páginas a mais.
Data 17/10/2008 20:08:07
Rogel Samuel: Teresa, você deve procurar um romance ou um poeta do seu gosto. Existe uma coisa que se chama - crítica do gosto.
Data 17/10/2008 20:09:20
Dílson Lages: O que mudou em relação as edições anteriores do ponto de vista teórico?
Data 17/10/2008 20:09:26
Rogel Samuel: Mudou alguma coisa sim. Novos capítulos foram introduzidos e outros refeitos. Introduzi, por exemplo, o estudo da Internet.
Data 17/10/2008 20:11:01
Rogel Samuel: A webcultura, a poesia digital etc são fatos novos.
Data 17/10/2008 20:11:58
Rogel Samuel: Escrevi um pouco mais sobre a evolução da literatura.
Data 17/10/2008 20:13:03
Rogel Samuel: E separei modernidade e pós-modernidade.
Data 17/10/2008 20:13:56
Dílson Lages: O senhor vê de forma positiva o uso de novos suportes para a arte literária. Que mudanças se anunciam para o sistema literário por conta da internet?
Data 17/10/2008 20:14:07
Rogel Samuel: Acredito na webcultura. aindo hoje li no 45 graus uma excelente matéria sobre isso que veio da feira de Frankfurt.
Data 17/10/2008 20:15:54
Teresa: O senhor pode se estender um pouco no assunto? Quais romancistas e poeta o senhor indica?
Data 17/10/2008 20:15:58
Dílson Lages: Você escreve no livro que ler “é nomear sentidos”. O que muda na leitura do crítico literário e na do leitor à cara de entretenimento?
Data 17/10/2008 20:17:46
Rogel Samuel: Teresa, abra um livro.... um romance.... e se você for tomada pelo texto, continue. Se não procure outro livro. Vá assim até encontrar o seu autor do coracão.
Data 17/10/2008 20:17:54
Rogel Samuel: Teresa, quando eu era professor do segundo grau, um dia um pai de aluno me disse: meu filho não lê nada! Não adianta!. Eu disse que ia resolver o problema... Conversei com o rapaz e descobri que ele gostava mesmo era de moto
Data 17/10/2008 20:20:41
Rogel Samuel:
Data 17/10/2008 20:20:47
Verbena: Boa noite pra todo mundo online aqui! Professor quem quer fazer crítica literária deve começar por onde? Por que teoria?
Data 17/10/2008 20:21:50
Rogel Samuel: Então descobri um livro de um motoqueiro que o rapaz passou a noite lendo. De uma só vez.
Data 17/10/2008 20:22:16
Teresa: então me recomende algum romance sobre coisas do lar, tipo culinária . Tem algum de memória?
Data 17/10/2008 20:23:29
Rogel Samuel: Dilson, A leitura crítica faz levantar alguns dos sentidos possíveis. É preciso dizer que neste livro quase nada é pensamento meu, pois é um “manual”, ou seja, um livro-resumo, um vade-mecum da ciência da literatura.
Data 17/10/2008 20:23:45
Rogel Samuel: Eu sempre tive facilidade em resumir, passei a vida toda resumindo trechos, sublinhando e riscando livros (o que não recomendo), é possível saber que livros eu li porque estão todos rabiscados, anotados. Eu sempre grifei as frases mais impor
Data 17/10/2008 20:24:34
Rogel Samuel: mais importantes.
Data 17/10/2008 20:25:25
Dílson Lages: Entre as correntes da crítica literária qual mais cativa Rogel?
Data 17/10/2008 20:26:07
Rogel Samuel: O processo hermenêutico, descobrir os meus sentidos no texto. Descobrir-me no texto.
Data 17/10/2008 20:28:41
Rogel Samuel: Verbena, deve começar
Data 17/10/2008 20:30:27
Rogel Samuel: Verbena, comece lendo os críticos brasileiros. A crítica começa com Machado de Assis.
Data 17/10/2008 20:32:11
Dílson Lages: Com tantas correntes examinando os aspectos materais do textos, independente de sua natureza, e até mesmo a recepção da obra, ainda vê espaço para a crítica impressionista e para a biográfica?
Data 17/10/2008 20:32:47
Rogel Samuel: Dilson, tudo é possível na pós-modernidade. Mas seria algo novo.
Data 17/10/2008 20:34:35
Rogel Samuel: Dilson, o que se vê hoje é o fim dos gêneros, da separação entre literatura e crítica .... e o nascimento do texto.
Data 17/10/2008 20:38:21
Rogel Samuel: Um texto concorrente com o texto literário
Data 17/10/2008 20:39:11
Dílson Lages: O Novo Manual de Teoria Literária está destinado realmente a quem? Ao crítico? Ao leitor comum? Aos estudantes de letras? Quem de fato você quer atingir?
Data 17/10/2008 20:39:53
Rogel Samuel: O ideal seria o leitor em geral. Mas o maior número de leitores são alunos das faculdades de letras, da graduação e pós-graduação.
Data 17/10/2008 20:40:46
Teófilo: Alguns escritores, inclusive de bom nível, se dizem desinteressados em crítica e teoria literária. eles podem ser grandes escritores sem o estudo dessas teorias?
Data 17/10/2008 20:41:46
Rogel Samuel: Continuando a questão anterior, o crítico hoje também é um escritor.
Data 17/10/2008 20:42:13
Teófilo: E meu cordial boa noite, estou acompanhando desde o incício mas só agora criei coragem e estou perguntando.
Data 17/10/2008 20:42:37
Rogel Samuel: Teófilo, sim, podem. Há grandes escritores que não gostam da crítica. Mas depende de qual crítica.
Data 17/10/2008 20:44:02
Dílson Lages: Quando surgiu a idéia de escrever o Novo Manual de Teoria e Técnica Literária?
Data 17/10/2008 20:45:20
Rogel Samuel: Há grandes escritores que viveram da crítica, como Barthes.
Data 17/10/2008 20:45:28
Verbena: Entre as teorias que o senhor apresenta no livro, alguma mais influenciou a crítica literária?
Data 17/10/2008 20:47:42
Dílson Lages: Uma correção professor, o Novo Manual de Teoria Literária.
Data 17/10/2008 20:48:20
Rogel Samuel: Em 1983. Mas foi difícil convencer a editora, que me sugeriu, ou melhor, me impôs uma condição, que o livro fosse escrito por vários professores (e que adotassem o livro! e muitos nunca o adotaram!). Ora, foi uma imposição errada, pois se o
Data 17/10/2008 20:49:28
Dílson Lages: Rogel, qual o segredo para que este livro fosse editado sucessivas vezes e caísse no gosto de professores e estudantes?
Data 17/10/2008 20:52:32
Rogel Samuel: Dilson, não há segredo, o livro é um resumo, o mais claro possível. Espero que eu tenha facilitado as coisas. É um livro que procura ser didático.
Data 17/10/2008 20:55:30
Dílson Lages: Quais conceitos de Teoria Literária você julga mais devam ocupar o pensamento dos escritores iniciantes?
Data 17/10/2008 20:56:23
Rogel Samuel: Como eu dizia antes, o editor não acreditava no livro.
Data 17/10/2008 20:57:34
Verbena: Qual o entendimento do senhor sobre a crítica literária que se faz atualmente no Brasil?
Data 17/10/2008 20:58:12
Rogel Samuel: Hoje temos 14 edições da primeira fase e 4 da segunda. Ao todo 18 edições.
Data 17/10/2008 20:58:53
Dílson Lages: Quantos exemplares aproximadamente já circularam desta obra?
Data 17/10/2008 21:00:05
Rogel Samuel: Aos escritores iniciantes eu indicaria um crítico muito antigo chamado antonio Albalat, que escreveu A arte de escrever e outro livro sobre a formação do estilo. Ninguém lê mais isso. Mas Albalat é um mestre, está na raiz da crítica genetica
Data 17/10/2008 21:02:47
Rogel Samuel: Por exemplo, Albalat estudou os rascunhos dos grandes escritores franceses e viu como eles fizeram.
Data 17/10/2008 21:04:26
Dílson Lages: Em A crítica da escrita, o senhor enfatiza a valorização da vivência como pano de fundo para as especulações teóricas naquele livro. A vivência em o Novo Manual de Teoria Literária foi mais importante que a pesquisa bibliográfica?
Data 17/10/2008 21:05:00
Rogel Samuel: Albalat chega a recomendar a cópia e modificação dos textos...
Data 17/10/2008 21:05:22
Dílson Lages: Digo, a vivência da leitura e da sala de aula, no exercício contínuo das teorias...
Data 17/10/2008 21:06:05
Rogel Samuel: Eu não sei, pois as edições antigas eram de 3 mil exemplares. E as novas menos.
Data 17/10/2008 21:06:15
Rogel Samuel: Sim, Dilson, a vivência em sala de aula, o exercício crítico começa com o professor de literatura explicando um texto.
Data 17/10/2008 21:07:55
Rogel Samuel: O crítico tem de dominar uma série de amplos conhecimentos, como a política, a história, a filosofia, a psicanálise, a antropologia etc.
Data 17/10/2008 21:10:53
Rogel Samuel: Sem esquecer a linguistica.
Data 17/10/2008 21:11:26
Moderador Entre-textos: O bate-papo chega ao fim. Agradecemos a todos que parciparam com perguntas ou simplesmente acompanhando o diálogo.
Data 17/10/2008 21:12:24
Rogel Samuel: Agradeço a todos a atenção. Boa noite.
Data 17/10/2008 21:13:23
Moderador Entre-textos: Boa noite a todos!
Data 17/10/2008 21:13:55

O dia em que saiu no Ibrahim Sued



O dia em que saiu no Ibrahim Sued

Rogel Samuel

Era a sexta-feira do dia 17 de maio de 1985 e no sábado eu estaria na Radio MEC no programa da minha amiga Nísia Nóbrega, já falecida, falando sobre Guimarães Rosa. Nísia Nóbrega era uma boa poetisa e amiga, mulher elegante, dona de um belo apartamento na Glória, onde recebia os amigos para conversar... sobre poesia. Foi lá que conheci Guillermo Francovich, o grande filósofo boliviano.
Não era a primeira vez que eu participava do seu programa. Pelo telefone, Nísia me falou:
- Vou anunciar nossa entrevista n’O Globo, disse-me ela.
Qual não foi minha surpresa quando li no dia seguinte a coluna do Ibrahim: pois Nísia era amiga da Vilma Guimarães Rosa que tinha acesso livre à coluna e foi lá que anunciou.
Não preciso dizer que todo mundo leu. Só não sei se ouviu o nosso programa.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Carlos Castelo Branco na Academia Brasileira



Carlos Castelo Branco na Academia Brasileira

Rogel samuel


Leio em "Os dias esquecidos" de Ascendino Leite que num dia quentíssimo do Rio de Janeiro
- fazia 43 graus, disse Ascendino - Carlos Castelo Branco foi eleito para a ABL.

Era o dia 4 de novembro de 1983.

Carlos Castelo Branco teve 21 votos, Mário Quintana derrotado 17 votos.

Quintana concorreu três vezes, sempre derrotado.

Carlos Castelo Branco sucedeu a R. Magalhães Júnior.

Entrevistado, Quintana disse:

- Não fui eleito, mas estou em boa companhia, como a de Monteiro Lobato, que tentou duas
vezes.

Ascendino, sempre ácido, chamou o poeta Quintana de "desmunhecado", o que não sei o que
quis dizer. E "meio amargo".

Ascendino lembra que a Academia recusou Jorge de Lima 3 ou 4 vezes. "Vergonha irreparável",
diz.

Acontece que Jorge de Lima era meio "louco". Louco de genialidade. Contam que ela entrava em delírio, subia na mesa. Dizem que seu psiquiatra foi quem o aconselhou a escrever "Invenção de Orfeu", como terapia. Aquele psiquiatra merecia uma homenagem nacional.

Carlos Castelo Branco declarou que tinha sido eleito por seu jornalismo.

- "Minha obra literária é escassa e remota".

Mas Carlos Castelo Branco era um extraordinário escritor.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

NEM NA ÉPOCA DA DITADURA


NEM NA ÉPOCA DA DITADURA

Rogel Samuel

Nem na época da Ditadura militar se viu isso: um deputado vai ser cassado (Walter Brito Neto, PRB-PB) por determinação de um poder externo ao da Câmara dos Deputados.

Na época do Governo Costa e Silva, em 13 de dezembro de 1968, o AI-5 foi emitido porque a Câmara se negou a conceder licença para que o Deputado Marcio Moreira Alves fosse punido.

Agora o Presidente da Câmara recebeu uma espécie de intimação para cassar um Deputado.

Veio de fora.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

POEMA DO RIO NEGRO, 2



POEMA DO RIO NEGRO, 2

Rogel Samuel

Seguimos até o celismar
na nossa sincopada batida
de Ananda bois espiam margens
crianças olham ocorridas
gritam cios cicios curumins
passarinhada menina
a cunhantã levantou voo?
o curumim mergulhou? o rio urubu prossegue
marcha fúnebre ritual líquido da corte
onde um dia, nesta tarde
meu pai não me deixou mergulhar
como se ali o rio pudesse
para sempre me tragar
quantos olhos aparecem? quantos ameaçam?
na leveza do anum canarana
a criança de longe a vista
o rapaz nu ri ou está chorando?
o sol se põe naquela tarde
densíssima de calor e escudo
e escuro e orgulho o rio negro
fecha suas portas
sobe para o céu suas veias iluminadas e nervuras
acesas
a lá estão os milhares índios mortos
ranger de dentes
do rio chamado urubu
sons percorrem com suas luvas pretas
as exclusividades das belezas sombrias
urubu o rio range dorme cemitério norte
risca fio alertado brilho fantasma
sobretudo preto urubu balança e nos ameaça
nos quer no seu túmulo histórico
amazônico emparedado dos matagais gerais
alta e terrível a floresta
transforma as corridas as amas úmidas amantes
rio doente para sempre
que desde o município de silves
está pronto para ejetar seus encapuzados enlevos
e inocular a morte
como as suas aranhas

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Casas



Casas

Rogel Samuel


A cabei de pintar o apto. Estou preparado para o Natal. Recebo um cartão poema.
Não consegui resolver o problema de meus livros amontoados. Venho, ao longo da vida, diminuindo o tamanho de minhas casas.
Nasci num sobrado, no centro da cidade de Manaus, av. Eduardo Ribeiro, 450.
Mudei-me para a 24 de Maio - casa grande, no centro. Depois, fomos para
perto da casa de Eduardo Ribeiro (na foto, será que ainda existe?), na Ramos Ferreira.
Dali para uma casa de vila na Jupurá, casa de minha avó. Depois para a Getulio Vargas,
uma verdadeira mansão, hoje ocupada. Nada herdei.
No Rio de Janeiro morei mal. Mas lembro-me de um apartamento que aluguei em Ipanema, na Nascimento Silva, uma bela vista. Era muito bom. Amplo, boa sala, quadros. Talvez foi o melhor. Ipanema era um amor, a gente circulava de madrugada, ficávamos de papo até a
madrugada, no Bar Bofetada, que existe até hoje, na Farme de Amoedo.
Hoje moro na Urca. Não posso reclamar. Não tenho espaço, mas tenho as montanhas e
o mar.

domingo, 14 de dezembro de 2008

Poema de Natal






Poema de Natal

Sonia Sales



Falsa neve nos cartoes
coloridos. Arvores cobertas
de suspiros e desejos
ansiedade no movimento das
lojas e mercados.

A Noite do Messias
vem trazendo parcas alegrias
a saudade dos que se foram
o amargor do para sempre
a certeza do nunca mais.

Mas ...
entre gritos e risadas
entram as crianças
em bandos
as lembranças se escoam
o amor ilumina a sala.

(Poema enviado para Rogel Samuel
em cartão,
neste Natal)

Poema do Rio Negro, 2




Rogel Samuel

Seguimos até o celismar
na nossa sincopada batida
de Ananda bois espiam margens
crianças olham ocorridas
gritam cios cicios curumins
passarinhada menina
a cunhantã levantou voo?
o curumim mergulhou? o rio urubu prossegue
marcha fúnebre ritual líquido da corte
onde um dia, nesta tarde
meu pai não me deixou mergulhar
como se ali o rio pudesse
para sempre me tragar
quantos olhos aparecem? quantos ameaçam?
na leveza do anum canarana
a criança de longe a vista
o rapaz nu ri ou está chorando?
o sol se põe naquela tarde
densíssima de calor e escudo
e escuro e orgulho o rio negro
fecha suas portas
sobe para o céu suas veias iluminadas e nervuras
acesas
a lá estão os milhares índios mortos
ranger de dentes
do rio chamado urubu
sons percorrem com suas luvas pretas
as exclusividades das belezas sombrias
urubu o rio range dorme cemitério norte
risca fio alertado brilho fantasma
sobretudo preto urubu balança e nos ameaça
nos quer no seu túmulo histórico
amazônico emparedado dos matagais gerais
alta e terrível a floresta
transforma as corridas as amas úmidas amantes
rio doente para sempre
que desde o município de silves
está pronto para ejetar seus encapuzados enlevos
e inocular a morte
como as suas aranhas

sábado, 13 de dezembro de 2008

Poema do Rio Negro, 1



POEMA DO RIO NEGRO, 1

Rogel Samuel

Em 1729 morrem no rio urubu
vinte e oito mil índios
assassinados
Mas eu estou fraco para esta luta
e preparo a fala afiada.
A cozinheira corta o peixe a faca
como o selo que pincela, amara.
Três homens remam montados nas águas
Oh estou fraco para a luta
preparada selva absoluta.
No caminho vendem os armadores as ilhas
cai a chuva sobre as lajes da tarde
que estou fraco para a luta
preparo o corte a morte
preparo o rio, urubu, orgulho das águas
imprópria para o passeio público
não o passado branco amigo
gesto sobretudo de suas partes
que ali viram morrer 300 malocas
no rio urubu rio negro da morte
o que passa entre o mato aziago
É belo? É limpo? adejam papagaios
entre mil insetos de teia de ouro fino
o rio não esquece
o rio nunca esquece
nunca lava
a hecatombe a fila a corrida

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Safo e Alceu, 3



Safo e Alceu, 3


Rogel Samuel



deitaram-se nuas
no meio da noite
as meninas virgens

deitaram-se nuas
as doces meninas
e ainda eram virgens

e os seus esposos
acenaram logo
com as mãos erguidas

e logo chegaram
no meio da noite
como que perdidos

deitaram-se nuas
todas as meninas
escondendo as graças

e os seus consortes
logo as sucederam
e imprimiram o selo

estavam tão nuas
e eram mais puras
que longínqua estrela

e na amena noite
só fugiu o tempo
envolto num lenço

e depois de amor
daquele conúbio
choveram diamantes

o fecundo hino
daquelas meninas
musas citadinas

naquela noite toda
caem as flores finas
deusas fesceninas

e os seus amigos
inventaram lira
e os seus caprichos

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Safo e Alceu, 2



Safo e Alceu, 2

Rogel Samuel


Veludoso coro
Desta ameixeira
Quando pomos d’ouro
Cobrem a cumeeira
Sobre todos nós
Sua eletricidade
Melodioso foro
De felicidade.

(Imagem: Rivera)

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

O IGARAPÉ DO INFERNO, 3



Leia hoje o Terceiro Capítulo do nosso romance online O IGARAPÉ DO INFERNO:

"Eu passei a vida toda de palavras de nada. É a mesma estória! Esta é a mesma velha merda! Estou só. Estou perdido! Mas sei. Lembro-me de que eu era assim, homem do qual de mal se podia dizer perdido. Do pior. Talvez até fosse um vivente das Amazonas, da exótica Amazônia minha terra, terra santa e mata. Palavra? Nada, nada, as palavras nada valem, eu passei a vida toda de palavras de nada, mais nada, nada mais."


Leia a continuação em BLOCOS ONLINE:

http://www.blocoson line.com.br/

O MAIOR PORTAL DE LITERATURA DO BRASIL!

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

horóscopo






O planeta
dá satisfação
dá prazer
entra na mente
de Aquário.

distribui
dinheiro
nas semanas que virão

a Lua em Touro
atrai amor e afeto


você mais seguro
mostra sensualidade
um amor mais forte
agora

rogel samuel

que me aparto de vós, oh óleos


que me aparto de vós, oh óleos

Rogel Samuel

que me aparto de vós, oh óleos
do Rio Negro. Das axilas
de coca-cola, de mel. Produto impuro
banho de esperma ferve
paquidérmicas pélas chatas
vos deixo, oh mães orquídeas terra
régia fera guerra estéril e amorosa
e no longo corredor me enrosco
meu aeroplano tece
sobre vossas plastificadas canoas de ferro
goma arábica ungüento espesso
caboclo jovem mãe planície
negra magra seda
de vós finalmente me aparto
águas lixiviadas e menstruais
lembranças de ventres de tarântulas
de cristal
de vós me aparto para sempre
esmorecido de vós sucumbido
por vossa fênix por vosso lenho
vos esqueço, oh pélvica morada
de deuses mortos de silvos profundos
e neste ar meu aeroplano tece
e é expelido pelas tuas pernas

domingo, 7 de dezembro de 2008

Capitu: um caso homossexual




Capitu: um caso homossexual

Rogel Samuel


Pouco antes de morrer, já nos últimos suspiros (Machado teve morte horrível, pois exalava um forte mau cheiro), Machado manda chamar seu vizinho. Quando o homem chegou perto do seu leito, o escritor apontou para uma caixa onde estavam todas as cartas que ele escrevera para sua mulher Carolina.
- Queime-as já no quintal, disse.
O vizinho atendeu e o Brasil perdeu um patrimônio irrecuperável - as cartas de
amor de Machado para Carolina.
Também ali se perdeu, talvez, a chave da elucidação do enigma de Capitu.
Pois um dos maiores críticos brasileiros foi Eugênio Gomes, autor de "O enigma
de Capitu" (Rio, J. Olympio, 1967), livro hoje raro e quase desconhecido.
Eugênio Gomes foi o único que jogou um pouco de luz no maior problema do livro.
Machado era dissimulado, engana sempre o leitor. Pois, como viu Eugênio Gomes, o que
"existiu... foi uma esquisita confusão de sentimento" em Bentinho no que se refere a seu amigo Escobar, amigo de seminário, que seduzia Bentinho, era seu confidente e na companhia de quem Bentinho sentia "um prazer excepcional" (Gomes). Escobar elogia os olhos de Bentinho, envolve-o de mistério, eles apertam suas mãos às escondidas "com tal força que ainda me doem os dedos" (Machado), os colegas notavam qualquer coisa, "um padre... não gostou", enfim eles sempre trocaram segredos, além da apalpadela que Bentinho fez nos braços fortes do amigo "como se fossem os de Sancha". E finalmente Bentinho oferece Capitu ao Amigo quando propõe Escobar para ser o intermediário de cartas de São Paulo.
E eu digo mais, Capitu pode ter tido o filho de Escobar que ele, Bentinho, não poderia ter.
O único problema era que - assim pensava Bentinho para defender a pureza de seu amante Escobar - Capitu transou com Escobar por dinheiro!
Enfim, nada é tão simples em Machado de Assis.

Californiano



CALIFORNIANO

Rogel Samuel


No ponto Sul o vôo vem no mel
Boeing com seu som martelo ponto certo
Quem me espera? porque vem
o mais tarde amor
corta no ar do meu voto
caio nas suas cores
saio das suas plumas
chego.

sábado, 6 de dezembro de 2008

A TARTARUGUINHA



A TARTARUGUINHA

Rogel Samuel


voa a tartaruguinha
na praia baiana
conserva o carimbo
do próprio Ibama


(Na foto, Giovanna, bisneta da Ursulita Alfaia)

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

poema



como apareces, planície
entre o linho e o azul deserto
a praia se abre em palácio
na glória de tuas sedas
no teu sorriso de ledas
e severidades deusas
nos olhos de mil portas
(mas apenas te vi: na verdade
eras efemeridade)

Rogel Samuel

SAFO E ALCEU



Safo e Alceu

(Foto e poema de R. Samuel)


1
Quando eras na Grécia
Em ti, insensato
Era vago o teu coração
E Afrodite imortal
Deusa da ardilosa causa
Te fazia igual aos deuses.
Diante de ti
Todos se sentiam pequenos.

Hoje, operário desempregado
Vedado
É chorar, porque se tu me amas
O teu amor de outra será
De outra será, certamente
E não voltarás

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

DIVERSOS POEMAS DE ROGEL SAMUEL



COM A TUA
vox
lamento a perda
da fonte mágica de
Ós.

(Na foto: BOURNEMOUTH, UK. Ver Poemas de Bournemouth)


TE LAVARÁS
nas minhas
lacrimações
florais


EU TE FABRICO
e não
eu te desvelo
cantares
mel e dia
do ar


EU TE AMO
naquilo
em que o teu
é a linha
e o ponto



EU TE PASSO
e passo
livremente
de cantar


POIESIS. Prática de
desnivelamento
de amor



estação devemos
que importa o poético?


- (EM) ILHA.
somos
sobes a ladeira
sobes Santa Teresa
sobes


SOBES
a cada grande
complemento


OVIDIO: METAMORFOSES

Trad. livre R. Samuel

A MINHA ALMA CANTA
AS FORMAS TRANSFORMADAS EM OUTRAS FORMAS.
Ó DEUSES, INSPIRAI-ME!
POIS NÃO FOSTES VÓS, POR CERTO,
QUEM AS TRANSFORMOU?
MINHA OBRA E MEU CANTO
CONDUZI, ININTERRUPTO,
DESDE AS PRIMEIRAS ORIGENS
DESTE MUNDO
ATÉ A NOSSA ÉPOCA ATUAL.

Antes do mar, antes da terra e do céu
que tudo cobre
um só era o todo desta natureza
a que chamamos Caos,
massa rudimentar massa informe.
Nada senão seu próprio peso
sim, as coisas semeadas em discordes
montes, amontoadas sem nenhum ajuntamento.

Pois nenhum filho do Céu e da Terra
dava luz ao mundo. Nem Febo no horizonte
no nascente
reconstruía seus chifres,
nem a terra pendia do ar
que a envolvia em sustentáculo
vazio, em seu próprio peso,
nem mesmo a querida Anfitrite
(a virgem) estendia
seus braços pelos limites
daquelas terras.

Onde quer que houvesse o piso da terra
ali também havia o mar, havia o ar.
A terra instável, a onda inábil, o ar
privado daquela luminosidade.
Nada ali permanecia como era,
em sua forma própria, e uma coisa
se chocava às outras porque
num só corpo o frio lutava contra
o quente, o úmido com o seco,
o mole com o duro, o pesado
contra o sem peso algum.



MÍSTICO LIRISMO
te chamo
místico-lirismo
vejo-te assim


SUAS ÁGUAS
frias idas
escorridas
suas águas
magoadas



NESSA NOITE
dessa fonte
desse lado
nesse sentido
passa o perdido

POEMAS DE BOURNEMOUTH
e eu bebo veneno pelos olhos
quando vejo a tua forma de partir
que ela se torna numa larva preta
a espuma do mar fervente em cada mão
o desiderato rumo dessa casa feita
a linha errada em cada palma, o não
estarmos à roda desfibrada estreita
limita o mar que nos fareja o cão.
distúrbio funcional, minha malignidade
espectro desse quarto quando um morto
vagueava entre vivos a nos aterrorizar
humores, forma aquosa, vítrea,
e cristalina capa de estampadas letras.
eras superfície, punção, a gata morta
no leva e traz das ondas da maré
marco divisório de teus passos.

(Bournemouth, UK, 19 de agosto de 2007)

os dias se arrastam, lentos
as noite se sucedem, escuras
e frias
neste quarto de hotel.

muitas vezes pensei em sair
em ver o mar na noite fria,
mas me recolho cedo
encapsulado
em recordações

o mundo não está
nem lá fora
nem aqui dentro

o mundo não está



(Bournemouth, UK, 15 de agosto de 2007)

à medida que envelheço
vou ficando
como minha avó

à medida que envelheço
mais vou tendo
minha avó no espelho
(Bournemouth, UK, 14 de agosto de 2007)

todas as coisas se parecem contigo
[passo a ver-te em cada dobrada lua]
nada me afastará de ti, pois estás em todas as coisas
onde o olhar
onde há olhar
onde olhar

ver quero ver-te
mas só consigo ouvir-te
há uma canção que me embala
e me adormece

não te tenho perto
tão perto
nem durmo contigo

mas não faz falta
o amor se espraia para sempre

no ar

(Bournemouth, UK, 13 de agosto de 2007,
às 21:20).

SUAS CLARAS
fáceis águas
ouçamos
com benesses d'água


NESSA FONTE
solitária
paremos nossas
meditações

NESSA FONTE
solitária
paremos nossas
meditações



Na
partitura do ser
não experimentemos


POST-SCRIPTUM. Nau viajemos
irmão
nossas profundas
comemorações.


FIM. O que
não chegou
faltará depois


DOZE. Mais e mais
o que há são portas
para o pouso
das palavras


ONZE. Casamos
nossa paz
com tua dor

DÉCIMO. Esta página
tomada
como está
é perto
do que estou a pedir


NONO. É preciso negar
que o real
Quando não me amares mais
perdoarás sem repouso

e eu bebo veneno pelos olhos
quando vejo a tua forma de partir
que ela se torna numa larva preta
a espuma do mar fervente em cada mão
o desiderato rumo dessa casa feita
a linha errada em cada palma, o não
estarmos à roda desfibrada estreita
limita o mar que nos fareja o cão.
distúrbio funcional, minha malignidade
espectro desse quarto quando um morto
vagueava entre vivos a nos aterrorizar
humores, forma aquosa, vítrea,
e cristalina capa de estampadas letras.
eras superfície, punção, a gata morta
no leva e traz das ondas da maré
marco divisório de teus passos.

(Bournemouth, UK, 19 de agosto de 2007)




OITAVO. Pinta o que escrevo
canta
palavra pinta acima. Nem
isso de aparição

SÉTIMO. Nunca mais
pomos os olhos no
tua pena
aceleraste


SEXTO. Por perto
ronda o céu
aberto
que é necessário ao
heroico fugir.


os dias se arrastam, lentos
as noite se sucedem, escuras
e frias
neste quarto de hotel.

muitas vezes pensei em sair
em ver o mar na noite fria,
mas me recolho cedo
encapsulado
em recordações

o mundo não está
nem lá fora
nem aqui dentro

o mundo não está



(Bournemouth, UK, 15 de agosto de 2007)


QUINTO. Deixa de
lastimação
que amanhã
não acordarás


QUARTO. Mastigação
poroso
precipício pavor
pítico lavado
sinto
paro


à medida que envelheço
vou ficando
como minha avó

à medida que envelheço
mais vou tendo
minha avó no espelho
(Bournemouth, UK, 14 de agosto de 2007)


todas as coisas se parecem contigo
[passo a ver-te em cada dobrada lua]
nada me afastará de ti, pois estás em todas as coisas
onde o olhar
onde há olhar
onde olhar

ver quero ver-te
mas só consigo ouvir-te
há uma canção que me embala
e me adormece

não te tenho perto
tão perto
nem durmo contigo

mas não faz falta
o amor se espraia para sempre

no ar

(Bournemouth, UK, 13 de agosto de 2007,
às 21:20).

TERCEIRO. Do ser
precisavas no
que estavas fazendo
Perto de ti nada
podes fazer

SEGUNDO. O que
de que
ao qual pertences
te engole


NÃO. Não escreverá
um só texto
mas o que for dito
e luminoso
como salto de sapato
sapo


CALMAMENTE. Sentes
que é preciso assumir
o que sentes


CAIXA. Não na abertura
porém no vácuo
entregarás o cimentado
serviço de freiras

PÓ.

De tal
viverás
e renascerás
fênix

NAUS. Não velejarás
por viajar
não velejarás
entre as paredes más

TRÊS. Há tempos
querida
que eu quero escolher-te
entre os compatíveis
depois


DOIS. É preciso
dizer
e fazer
calmamente pensar
e dar-me

UM. Unicamente
delido e só
sou
neste meu quarto
passo

QUE QUERES?
Não vais ficar junto a
melhor fonte solitária

TRIO. Sou nada
sonata de secreto
tilintar
Cale-me a calma em
conforme sou
RIMA

SECO. Não. Ninguém
ou/e nada
me calará
por sobre o muro das
lamentáveis considerações

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

ERNEST CASSIRER




ERNEST CASSIRER

UMA CHAVE PARA A NATUREZA DO HOMEM: O SíMBOLO

O BIOLOGISTA Johannes von Uexkül1 escreveu um livro em que procede a uma revisão crítica dos princípios da biologia. De acordo com UexküI (NOTA l), a biologia é uma ciência natural, que precisa ser desenvolvida por meio dos métodos empíricos usuais - os da observação 'e experimentação. O pensamento biológico, por outro lado, não pertence ao mesmo tipo do pensamento físico ou do químico. Uexküll é um resoluto campeão do vitalismo, defendendo o princípio da autonomia da vida. A vida é uma realidade final e dependente de si mesma. Não pode ser descrita nem explicada em termos de física ou de química. Partindo deste ponto de vista, Uexküll desenvolve um novo esquema geral de pesquisa biológica. Como filósofo, é idealista ou fenomenalista. Mas seu fenomenalismo não se baseia em considerações metafísicas ou epistemológicas, mas, antes, em princípios empíricos. Como ele assinala, seria de um dogmatismo muito ingênuo a presunção de que existe uma realidade absoluta de coisas, idêntica para todos os seres vivos. A realidade não é uma coisa única e homogênea; imensamente diversificada, possui' tantos padrões e planos diferentes quantos são os organismos diferentes. Todo organismo, por assim dizer, é um ser monadário. Tem um mundo próprio, porque tem uma experiência própria. Os fenômenos que encontramos na vida de certas espécies biológicas não são transferíveis para nenhuma outra espécie. As experiências - e portanto as realidades - de dois organismos diferentes são incomensuráveis entre si. No mundo de uma mosca, diz UexküIl, só encontramos "coisas de moscas"; no mundo de um ouriço do mar só encontramos "coisas de ouriços do mar".
Partindo desta pressuposição geral, Uexküll desenvolve um plano originalíssimo e engenhoso do mundo biológico. Desejando evitar todas as interpretações psicológicas, segue um método inteiramente objetivo ou behaviorista. A única chave para a vida animal nos é proporcionada pelos fatos da anatomia comparada. Se conhecermos a estrutura anatômica de uma espécie animal, possuiremos todos os dados necessários à reconstrução de seu modo especial de experiência. Um estudo cuidadoso da estrutura do corpo animal, do número, da qualidade e da distribuição dos vários órgãos dos sentidos e das condições do sistema nervoso, nos dará uma imagem perfeita do mundo interior e exterior do organismo. Uexküll principia suas investigações com um estudo dos organismos inferiores; estendeu-as gradativamente a todas as formas da vida orgânica. Em certo sentido, recusa-se a falar em formas inferiores ou superiores de vida. A vida é perfeita em toda parte; é idêntica, tanto no menor como no maior dos círculos. Todo organismo, até o mais rudimentar, não só se acha adaptado, num sentido vago (angepasst) ao seu meio, mas também inteiramente coordenado ( eingepasst) com seu ambiente.
De acordo com sua estrutura anatômica, possui certo Merknetz e certo Wirknetz - um sistema receptor e um sistema destinado a responder à estimulação. Sem a cooperação e o equilíbrio destes sistemas o organismo não poderia sobreviver. O sistema receptor, pelo qual uma espécie biológica recebe os estímulos externos e o sistema pelo qual reage a ele estão, em todos os casos, intimamente interligados. São elos da mesma cadeia, descrita por Uexküll como o círculo funcional (Funktionskreis) do animal. (Veja Johannes von Uexktill, Theoretische Biologie (2.' edição, Berlim, 1938); Umwelt und Innenwelt der Tiere 0909; 2.' edição, Berlim, 1921).

Não posso entrar aqui na discussão dos princípios biológicos de UexküIl. Referi-me tão-somente aos seus conceitos e à sua terminologia a fim de formular uma pergunta geral. Será possível utilizar o plano proposto por Uexküll para uma descrição e caracterização do mundo humano? É evidente que este mundo não constitui exceção às regras biológicas que governam a vida de todos os outros organismos. Entretanto, no mundo humano encontramos uma nova característica, que parece ser a marca distintiva da vida humana. O círculo funcional do homem não foi apenas quantitativamente aumentado; sofreu também uma mudança qualitativa. O homem, por assim dizer, descobriu um novo método de adaptar-se ao meio. Entre o sistema receptor e o sistema de reação, que se encontram em todas as espécies animais, encontramos no homem um terceiro elo, que podemos descrever como o sistema simbólico. Esta nova aquisição transforma toda a vida humana. Em confronto com os outros animais, o homem não vive apenas numa realidade mais vasta; vive, por assim dizer, numa nova dimensão da realidade. Existe uma diferença inequívoca entre as reações orgânicas e as respostas humanas. No primeiro caso, a resposta dada a um estímulo exterior é direta e imediata; no segundo, a resposta é diferida. É interrompida e retardada por um lento e complicado processo de pensamento. A primeira vista, este atraso pode parecer uma vantagem. muito discutível. Inúmeros filósofos lançaram advertências contra este pretenso progresso. "L'homme qui médite", diz Rousseau, "est un animal dépravé": não se aprimora, mas se deteriora a natureza humana quando ultrapassa as fronteiras da vida orgânica. Entretanto, não existe remédio contra essa inversão da ordem natural. O homem não pode fugir à própria consecução. Não pode deixar de adotar as condições da própria vida. Já não vive num universo puramente físico, mas num universo simbólico. A linguagem, o mito, a arte e a religião são partes deste universo. São os vários fios que tecem a rede simbólica, a teia emaranhada da experiência humana. Todo o progresso humano no pensamento e na experiência aperfeiçoa e fortalece esta rede. Já não é dado ao homem enfrentar imediatamente a realidade; não pode vê-Ia, por a~sim dizer, face a face. A realidade física parece retroceder proporcionalmente, à medida que avança a atividade simbólica do homem. Em lugar de lidar com as próprias coisas, o homem, em certo sentido, está constantemente conversando consigo mesmo. Envolveu-se por tal maneira em formas lingüísticas, em imagens artísticas, em símbolos míticos ou em ritos religiosos, que não pode ver nem conhecer coisa alguma senão pela interposição desse meio artificial. Tanto na esfera teórica quanto na prática, a situação é a mesma. Nem mesmo nesta última vive o homem num mundo de fatos indisputáveis, ou de acordo com suas necessidades e desejos imediatos. Vive antes no meio de emoções imaginárias, entre esperanças, temores, ilusões e desilusões, em seus sonhos e fantasias. "O que perturba e alarma o homem", diz Epicteto, "não são as coisas, são suas opiniões e fantasias a respeito das coisas".
Do ponto de vista a que acabamos de chegar, podemos corrigir e ampliar a definição clássica do homem. A despeito de todos os esforços do irracionalismo moderno, a definição do homem como animal rationale não perdeu sua força. A racionalidade, com efeito, é uma característica inerente a todas as atividades humanas. A própria mitologia não é, pura e simplesmente, um conjunto vulgar de superstições ou de grosseiras ilusões. Não é puramente caótica, pois possui forma sistemática ou conceitual. (Veja Cassirer, Die Begrittstorm im mythischen Denken (Lipsia, 1921). Mas, por outro lado, fora impossível caracterizar como racional a estrutura do mito. A linguagem foi freqüentemente identificada com a razão, ou com a própria origem da razão. Mas é fácil ver que esta concepção não consegue abarcar todo o campo. É uma pars pro toto; oferece-nos uma parte pelo todo. Pois lado a lado com a linguagem conceitual há a linguagem emocional; lado a lado com a linguagem lógica ou científica há a linguagem da imaginação poética. Em primeiro lugar, a linguagem não expressa pensamentos nem idéias, mas sentimentos e afeições. E até uma religião "dentro dos limites da razão pura", como a concebeu e elaborou Kant, não é mais que uma simples abstração. Transmite apenas a configuração ideal, a sombra de uma genuína e concreta vida religiosa. Os grandes pensadores que definiram o homem como um animal rationale não eram empiristas, nem jamais tentaram oferecer uma explicação empírica da natureza humana. Por meio desta definição, expressavam antes um imperativo moral fundamental. Razão é um termo muito pouco adequado para abranger as formas da vida cultural do homem em toda sua riqueza e variedade. Mas todas estas formas são simbólicas. Portanto, em lugar de definir o homem como um animal rationale, deveríamos defini-Io como um animal symbolicum. Deste modo, podemos designar sua diferença específica, e podemos compreender o novo caminho aberto ao homem: o da civilização.
(1. Veja Cassirer, Die Begrittstorm im mythischen Denken (Lipsia, 1921).


terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Saques em Santa Catarina!



Saques em Santa Catarina!

Rogel Samuel


A filha de minha amiga MA mora em Santa Catarina e contou que os barqueiros cobravam
R$150,00 para resgatar as pessoas de suas casas e depois voltavam nas mesmas casas e saqueavam tudo. A casa da filha de minha amiga não foi atingida, pois não houve inundação na rua dela.
Eu me lembro da cidade de Manaus. As chuvas torrenciais da parte antiga da cidade nunca
conseguem inundar a cidade porque existe uma malha de galerias subterrâneas que atravessam as ruas. São galerias monstruosas e, dizem, daria para passar um veículo qualquer. Foi obra do piauiense Fileto Pires Ferreira e do maranhense negro Eduardo Ribeiro, que
construíram a cidade de acordo com o traçado original do piauiense Thaumaturgo de
Azevedo, conforme se pode ler no meu romance histórico sobre a construção de Manaus
que está publicado online em:
http://www.dilsonlages.com.br/coluna_cont.asp?id=1155

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

"Escrevo melhor em dólar"



"Escrevo melhor em dólar"

Rogel Samuel

Recentemente minha amiga Leila Miccolis escreveu e publicou um texto no seu blog
http://leilamiccolis.blogspot.com/ intitulado "O LUCRO DO SABER".
"Hoje recebi um e-mail de um escritor que propunha colocar à venda em Blocos um
livro seu porque o site desse autor "não tinha fins lucrativos", no dizer dele próprio", disse Leila, e defendia a seguir a remuneração dos autores.
Ao seu texto escrevi o seguinte comentário (eu tenho a mania de escrever em maiúscula, desculpem): O BRASIL SÓ SERÁ VISTO COMO UM PAÍS DESENVOLVIDO (E PÓS-MODERNO) QUANDO OS POETAS E ESCRITORES FOREM RESPEITADOS E REMUNERADOS COMO PRODUTORES DE CULTURA, ASSIM COMO OS CINEASTAS, OS MÚSICOS ETC. ESCREVER NÃO É UMA ATIVIDADE ESPORTIVA OU LAZER DE UMA CLASSE OCIOSA, NEM UMA ATIVIDADE DE FIM DE SEMANA, MAS O ESCRITOR QUE SE VÊ COMO TAL LEVA A SÉRIO O SEU TRABALHO E HOJE MAIS DO NUNCA PELA INTERNET ELE TEM NOVOS CANAIS DE COMUNICAÇÃO COM SEU PÚBLICO. POR ISSO LEILA MICCOLIS ACERTOU EM CHEIO NA RAIZ DO PROBLEMA: OU SEJA, A PROFISSÃO DE ESCRITOR!
ESSE DEBATE DEVE APROFUNDAR-SE, TEM DE APROFUNDAR-SE PARA LEVANTAR OS POETAS DO ESTADO ANESTÉSICO, DO TORPOR EM QUE NÓS NOS ENCONTRAMOS.
TRATA-SE DE UM PROBLEMA DE SOBREVIVÊNCIA DA NACIONALIDADE.
Sobre este tema me lembro do seguinte e curioso fato artístico, desta vez musical, narrado por Nalen Anthoni em vídeo da EMI.
Depois da Segunda Guerra, o compositor inglês William Walton (na foto) compôs um concerto para Jascha Heifetz a pedido deste. Depois, em 1956, o violoncelista Gregor Piatigorsky, um dos maiores do seu tempo, fez o mesmo pedido a Walton. Mas Piatigorsky fez o pedido através de um intermediário, o pianista Ivor Newton.
Walton respondeu: "Eu sou um compositor profissional. Escrevo não importa o quê para
qualquer um desde que me pague..." E depois de uma pausa, acrescentou: "Eu escrevo melhor quando me pagam em dólar".
Walton terminou o concerto no mesmo ano, o magnífico Concerto para Violoncelo e Orquestra, que está no vídeo, e que foi executado pela primeira vez em janeiro de 1957 por Piatigorsky com a Boston Symphony Orchestra, dirigida por Charles Munch.
Não se diz quanto o violoncelista pagou. No vídeo da EMI, a NBC é conduzida por Malcolm Sargent, em 1957.

domingo, 30 de novembro de 2008

Ernesto Penafort










Ernesto Penafort

(Capa de Getulio Alho. Retrato do autor: Bico de pena de Edmilson Salgado)





SONETO

noutros tempos, olinda, eras futuro.
sob sol e silêncio se descia
ao vale, e o vale fértil pressentia
a intenção dos abraços, além-muro.
vieram ventos. choveu do intento puro
o desejo de ser, no qual se cria:
pronta a rosa entendida falecia
sob sol e silêncio no chão duro.
várias chuvas passaram, hoje banho
noutras águas a vida, pois, de antanho,
só a luz do teu rosto é que me ocorre,
entre silêncio e sol, mas como tudo,
se incorpora, no tempo, a um fruto mudo:
sob sol e silêncio nasce e morre.


enquanto a lua for calada e branca
eu serei sempre o mesmo, este esquisito,
este invisível vulto, apenas visto
quando o vento, de leve açoita as folhas.
enquanto a lua for calada e branca
eu serei sempre o mesmo, apenas visto
quando um raio de sol morre na lágrima
que se despede de uma folha verde.
eu serei sempre assim, apenas sombra,
apenas visto quando a voz de um gesto
colhe no bosque alguma flor azul.
apenas visto quando em fundo azul
voar a garça (o meu adeus ao mundo?),
enquanto a lua for calada e branca.


SONETO DO OLHAR AZUL

de azul, azul demais é a luz dos olhos
que espiam em constante claridade
o escorrer, como um rio, uma cidade
com seus becos e sombras - vãos mistérios.
estranhamente azul é a luz dos olhos
que se alçam como pássaros - aéreos
de azul e luz - suspensos de saudade;
e de onde escapa um rio (o rio outro)
cujo leito é de saI e de agonia,
por sobre cujas águas não flutua,
embora em desespero, a luz do dia.
é noturno esse olhar? quem sabe a imagem
daquilo que entre gritos se anuncia
e em silencio acontece - e se faz lua.



O TOURO

o louro cinza traz sobre o ocipício
estranha meia lua eclipsada
no turvo olhar das vacas do Cambixe.
é belo o touro. o olhar (lâmina e gelo)
passeia-nos as aImas decorando-as
como se fossem seus os nossos pastos.
de seu dorso escorrem-Ihe os desejos
que se fincam nas patas feito plantas
de onde brota-Ihe o viço das andanças.
um mugido de cores o ilumina
e a tarde se afugenta de seu lombo
sorvendo o que ha de luz pela ravina.
e silencio o curral. sobreflutua
eclipsada e estranha meia lua.

SONETO DO OBJETIVO MAIOR


tudo está por fazer e ja cansada
te encontras neste inicio de aventura.
tudo está por ser feito e sossegada
te fincas sobre gestos de impostura.
tudo está por cumprir nesta jornada
que agora nos propomos, e amargura
tu mostras antes mesmo a caminhada
que nos há de levar a essa futura
vida que nos aguarda em seus segredos.
por que deténs-me então por entre os dedos
que, antes, teceram tudo o que hoje somos?
não podemos ficar. partir é tudo.
e o que temos de bom sobre o chão mudo.
vamos, seremos mais do que já fomos.


SONETO DO AZUL IRREAL

o irreal azul engole O mundo, enquanto
da morte magra polipartem galhos
e o vento os faz dançar. a leve dança
confunde-se à das aves, negras aves
que alem das folhas verdes se entrevêem
em vôos circunféricos (ao bote
a postos?). Ja um canto ocupa o quadro
e o vento, esse abstrato, como a chuva,
borrifa as notas pelo incerto azul.
e permanece o azul, incerto e calmo.
sob sua pele semelhante a um lago,
em cujo fundo um mundo se agitasse,
existe o nosso (o que foi e é, será?)
agora, vê-se o azul sangrando nuvens.







O touro






o touro cinza traz sobre o ocipício
estranha meia lua eclipsada
no turvo olhar das vacas do Cambixe.
é belo o touro. o olhar (lâmina e gelo)
passeia-nos as almas decorando-as
como se fossem seus os nossos pastos.
de seu dorso escorrem-lhe os desejos
que se fincam nas patas feito plantas
de onde brota-lhe o viço das andanças.
um mugido de cores o ilumina
e a tarde se afugenta de seu lombo
sorvendo o que há de luz pela ravina.
é silêncio o curral. sobreflutua
eclipsada e estranha meia lua.





SONETO DO MURO AZUL




na tarde já passada ainda presente
está o vulto do amor inacabado.
uma lembrança de asa que pressente
um vôo de garça atravessar, molhando,
o olhar horizontal do poeta ausente
ao momento em que estava ali fincado.
era de fato amor. irreverente,
foi o seu gesto triste e tão lembrado.
ambos se olharam. desse olhar cruzado,
ergueu-se o muro azul e transparente
que pelos dois jamais fora pensado.
a musica é a culpada? e o olhar turvado?
na tarde já passada ainda presente
está o vulto do amor inacabado.




(Azul geral, Manaus, Edições Madrugada, 1973. Prefácio de Antísthenes Pinto. Posfácio de Farias de Carvalho).


A MEDIDA DO AZUL

A medida do azul é o estender-se
do olhar por sobre os seres. Esse arguto
perceber que se tem de não mover-se
o objeto - já por ser absoluto.
A medida do azul é ver um luto
contido em toda flor e o abster-se,
cada qual de assumir seu tom enxuto
e noutro que o não seu absorver-se.
A medida do azul, pelo contrário,
não é ver no horizonte o fim do olhar,
mas o ter desta vida aonde chegar,
pois ali tem o mundo o seu ovário:
e o retorno acontece, sempre estável,
eis que o azul é o início do infindável



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Do corpo, da memória


Ernesto Penafort (1936-1992)




eis que surges, noite morta.
nem te adivinhava antes,
já vagava em outras terras,
outros mares me banhavam.
entretanto, estás
presente, suor do corpo.
rastro de quem anda,
amor de quem partiu.

eis que surges, noite morta.
mesmo adivinhar-te
era um absurdo, noite morta.
principalmente agora
que vejo luz e longe,
estás presente, suor do corpo,
memória e tatuagem,
novamente suor do corpo,
estás presente,
memória de quem anda,
suor de quem partiu.




SONETO ULTIMO
DA REVELAÇÃO DERRADEIRA


eis que a tarde enfuna o lenço
gris de sua despedida.
quanto mais não me convenço
mais é noite - absorvida
hora a que já não pertenço.
pronto exsurge um corpo só
que embora pensa caminha
coberto do mesmo pó
que em si próprio remoinha
seja embora para o espanto,
daqueles cuja ferida
teimam tê-la recolhida
haja luz por sobre o manto
e ecloda em forma de canto.


OS POMBOS MORREM DE PÉ



Acaso não me tivessem chamado a atenção, eu jamais o teria notado. Era belo e se consumia na mais ampla serenidade.
De pé sobre o parapeito e suavemente encostado à parede da Academia Brasileira de Letras, o pombo da paz casava o frio de sua morte ao frio da tarde. Fria não somente por ser de julho, mas fria também e principalmente porque mais uma paz morrera nas ruas, como tantas outras que diariamente se esgotam pela indiferença dos homens.
Do baixo céu da tarde pendia um ar pesado trazendo a chuva fina que descia. Dessas frequentemente acontecidas durante o inverno no Rio, obrigando cada um a olhar para o chão e pensar nos seus problemas. 0 dia se abatia e machucava tudo - as árvores, as ruas, as pessoas. Era uma queda horizontal da tarde.
No parapeito - triste beiral sem vento - humilde como o chão, o pombo da paz era campo de aéreas gotas de chuva que mansamente Ihe pousavam nas penas sossegadas. E nos dava o exato motivo de pensar que ele lutara. De que aquela fora uma paz que suara para não deixar nunca de continuar se cumprindo.
De seus olhos imigrava um olhar gelado que perseguia o infinito e era puro como as alturas atingidas. Que alados caminhos espiavam agora os seus olhos de gelo? Teriam acaso outros telhados o seu tranquilo voejar, na intimidade serena das chaminés? Adejaria por quais lugares aquela paz, ali aos poucos se findando, de pé como uma estatua?
Os homens passavam embrulhados de espessa taciturnidade. Dirigiam-se todos de encontro à noite que os esperava quieta, escura sempre. Nos seus recessos talvez uma fuga ou alguma solução para os problemas da quotidiana angustia. A noite, os bares se enchem de nações que logo se desfazem quando os sonhos adormecem.
Morto, estranhamente em pé, continuava o pombo feito uma estátua da paz, que pela paz e sendo paz, em paz se consumia.



(A medida do azul. Manaus, Governo do Estado do Amazonas, 1982. Introdução de L. Ruas)


Ernesto Penafort nasceu em Manaus, Amazonas, em 27 de março de 1936 e faleceu na mesma cidade em 3 de junho de 1992. Fez seus estudos em Manaus, formando-se em advocacia pela Faculdade de Direito do Amazonas. Era jornalista, poeta, contista. Morou 11 anos no Rio de Janeiro e só não se formou em Ciências Sociais pela Universidade do Brasil porque se desentendeu com um professor faltando um ano para concluir o curso. Foi redator da Rádio Nacional do Rio de Janeiro e da Folha de São Paulo. Voltando para Manaus, trabalhou na Fundação Cultural do Amazonas. Pertenceu ao Clube da Madrugada.

Enquanto a lua for calada e branca



Enquanto a lua for calada e branca


Rogel samuel


Os livros do poeta amazonense Ernesto Penafort (1936-1992) são hoje as maiores raridades bibliográficas. Nem em sebos se encontram. Ele escreveu Azul Geral (Madrugada, 1973), 1982 A Medida do Azul (Imprensa Oficial, 1982), Os Limites do Azul (Imprensa Oficial, 1985), Do Verbo Azul (Gov. do Estado do Amazonas, 1988). Penafort nasceu e morreu em Manaus.
Na década de 60, estudou Ciências Sociais na Universidade do Brasil, sem concluir
o curso, voltou para Manaus, fez Direito. Foi presidente do Clube da Madrugada e
era muito conhecido em sua época. Eu não o conheci pessoalmente ainda que devemos ter-nos encontrado na Universidade ou em Manaus. Mas sempre ouvi falar dele. Eu incentivei um meu orientando do curso de Mestrado em Teoria literária para fazer uma pesquisa sobre a poesia de Penafort, o que daria a monografia de sua dissertação final. Mas meu aluno abandonou o curso e nunca concluiu o trabalho.
Um dos seus poemas é este:

enquanto a lua for calada e branca
eu serei sempre o mesmo, este esquisito,
este invisível vulto, apenas visto
quando o vento, de leve açoita as folhas.
enquanto a lua for calada e branca
eu serei sempre o mesmo, apenas visto
quando um raio de sol morre na lágrima
que se despede de uma folha verde.
eu serei sempre assim, apenas sombra,
apenas visto quando a voz de um gesto
colhe no bosque alguma flor azul.
apenas visto quando em fundo azul
voar a garça (o meu adeus ao mundo?),
enquanto a lua for calada e branca.

(Azul geral)

sábado, 29 de novembro de 2008

O GRÊMIO



O GRÊMIO

Rogel Samuel

Outro dia, apareceu aqui a referência ao Grêmio Satírico Gregório de Matos. Éramos jovens, quase meninos. Durou um ano, Ira Esteves, Iran Fersil, Aflopes, Aury Silva Braga, eu, outros. Uma é hoje esposa de um ex-governador. Nunca mais a vi. Aflopes era mais velho e criava (acreditem) uma onça em casa. Tudo era possível, naquela época. Ele trouxe o filhote do interior do Amazonas. Criou. Amava o bicho. Depois, Aflopes sumiu, mudou-se para Belém e sumiu. Uma outra poetisa é tia de um atual senador do Amazonas. Nunca mais a vi. Nosso grêmio era famoso. Mantivemos uma polêmica contra outros poetas, pelos jornais. Contra Benjamin Sanches, autor de "Argila". Um bom poeta. Eu assinava "Calixto Diniz". Sanches escrevia, em resposta: "Cá li isto, que você escreveu". Bons tempos. Boas lembranças. Depois vim para o Rio de Janeiro. Ira foi para Los Ângeles. Separamo-nos. O Grêmio, entretanto, continua presente, no espaço real da poesia perene, lá.
Lá.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Obra prima em surdina



Obra prima em surdina

Rogel Samuel

Bilac atinge o mais alto grau de sua arte literária em "Surdina". Lembra Goethe e Pessoa, e o verso é perfeito, com acentos na 4 e 8 sílabas. Os sss do primeiro verso moram em silêncio: "No ar sossegado um sino canta". O silêncio e frio cantam a atmosfera.
A paisagem misteriosa. A paisagem é um estado de alma. Os amores mortos, fracassados,
nublados, vazios. A vida é estrada deserta. A espera da morte, o sonho erradio. O
coração de luto. O amor em surdina, escondido, proibido. A solidão resume-se em "ninguém", para aquele que caminha solitário. Mas o poeta ainda chora os amores dizimados, perdidos, nesta pálida Vênus, a deusa do panteão do Amor. Pálida ela aparece. E Bilac atinge o mais alto grau de sua arte.

Surdina

No ar sossegado um sino canta,
Um sino canta no ar sombrio...
Pálida, Vênus se levanta...
Que frio!


Um sino canta. O campanário
Longe, entre névoas, aparece...
Sino, que cantas solitário,
Que quer dizer a tua prece?


Que frio! embuçam-se as colinas;
Chora, correndo, a água do rio;
E o céu se cobre de neblinas.
Que frio!


Ninguém... A estrada, ampla e silente,
Sem caminhantes, adormece...
Sino, que cantas docemente,
Que quer dizer a tua prece?


Que medo pânico me aperta
O coração triste e vazio!
Que esperas mais, alma deserta?
Que frio!


Já tanto amei! já sofri tanto!
Olhos, por que inda estais molhados?
Por que é que choro, a ouvir-te o canto,
Sino que dobras a finados?


Trevas, caí! que o dia é morto!
Morre também, sonho erradio!
A morte é o último conforto...
Que frio!


Pobres amores, sem destino,
Soltos ao vento, e dizimados!
Inda vos choro... E, como um sino,
Meu coração dobra a finados.


E com que mágoa o sino canta,
No ar sossegado, no ar sombrio!
- Pálida, Vênus se levanta.
Que frio!